segunda-feira, 5 de outubro de 2015

CONCATENAR REFLEXÕES

1. Sexta-feira, final de mais um dia de trabalho. Chego a casa estourado, deito-me no sofá e ligo a televisão para saber do mundo. Sigo directamente para os canais ditos informativos. Na SIC Notícias Maria João Avilez e o advogado José Júdice trocam impressões completamente imparciais sobre a vida política portuguesa. Não havia ninguém para o contraditório, nem mesmo António José Teixeira quando arriscava trazer algum jornalismo à mesa. Mudei para a RTP Informação. Laurinda Alves falava e José Manuel Fernandes escutava a dizer que sim com acenos de cabeça. O que dizia Laurinda? Que era impressionante como Passos Coelho punha o país à frente da vida pessoal, mesmo sabendo todos nós das dificuldades familiares por que passa. A Campanha Eleitoral foi muito disto e pouco do resto. E isto significa uma horda de comentadores, pseudo-jornalistas, opinantes encarneirados a fazer o frete aos amigos da coligação.
 
2. A coligação foi inteligente ao adoptar como estratégia o discurso do sacrifício. Os portugueses gostam de quem se sacrifique por eles. Não gostam é de se sacrificar. Gostam apenas de ficar com a ideia, mesmo que falsa, de que há quem se sacrifique por eles. Tipo os santos Pedro & Paulo, que até sacrificaram as siglas dos seus partidos (PPD-PSD & CDS-PP) com um PàF que muita gente há-de nem sequer saber que esteve quatro anos à frente do Governo que desgraçou ainda mais este país.
 
3. O CDS-PP ainda existe? Quantos votos da PàF iriam para o PPD-PSD? E quantos para o CDS-PP?
 
4. Quando fui votar, dois jovens que caminhavam à minha frente falavam sobre as eleições. Vais votar? Perguntou ele. Achas? Respondeu ela. E acrescentou que detestava política, que era tudo tretas, que isto devia era ser um país livre e "prontos". Mesmo tendo em conta cadernos eleitorais desactualizados, o nível de abstenção é medonho. O alheamento, reproduzido na retórica da jovem supracitada, é um forte contributo para o vitória do sistema que a própria jovem critica. País livre, diz ela.
 
5. O Livre/Tempo de Avançar é um dos derrotados nestas eleições. Deram um tiro no pé e ficaram coxos, com menos votos do que partidos tais como o PCTP/MRPP (há 59.812 eleitores a desejar Morte aos traidores!), o PDR (prejudicado por a fotografia de António Marinho e Pinto não vir no boletim de voto) ou o PAN.
 
6. O PAN é o grande vencedor destas eleições, e com ele todo o universo animal que alcança representação na Assembleia da República. Duvido que um deputado chegue para acabar com o circo e com as touradas no parlamento, esperando, sinceramente, que esse deputado não trate todos os animais por igual.
 
7. O outro vencedor da noite é o B.E.. Fizeram uma campanha positiva, passaram a ter uma liderança em vez de duas e ganharam muito com isso. Catarina Martins revelou-se uma agradável surpresa nos debates com Pedro & Paulo, havendo quem tenha visto aí uma opção maquiavélica da coligação para que o B.E. roubasse votos ao P.S.. Não sei se roubou. Sei que tiveram a comunicação social muito atenta, um Francisco Louçã interventivo e uma Mortágua a estrelar em fase pós-BES. Ricardo Araújo Pereira desafiou-os todos a concatenar. É um amigalhaço, o RAP.
 
8.  A C.D.U. aumenta o número de votos e o número de deputados. Isto sucede num país com um eleitorado conservador, avesso à transformação e atacado por velhos demónios. As dificuldades foram sendo superadas com um programa objectivo de propostas muito claras, nomeadamente no que respeita à moeda única, à dívida, à integração europeia, aos cortes e aos direitos dos trabalhadores (apesar da desatenção da comunicação social, mais interessada em agressões na Festa do Avante). A luta continua!
 
9. O P.S. também consegue mais votos e mais deputados. De 73 passa para 85. É um resultado que impressiona pela negativa, não porque esperaríamos melhor, mas porque, afinal, o P.S. é um dos partidos responsáveis pelas governações que abriram caminho para a ruína. Sócrates detido, tricas internas, duas lideranças em momento de oposição, instabilidade, são anátemas num partido que se faz sempre rodear de péssimos amigos.
 
10. A coligação PàF canta vitória, o que não espanta tendo em conta o histórico de falta de vergonha na cara. Conseguem menos 738 mil votos. Vitória? Menos 30 deputados. Vitória? Mas pode alguém cantar vitória quando assiste ao clamor de uma larga maioria de eleitores a gritar basta de austeridade, basta de emigração, basta de assimetrias e  de desigualdades, basta de vender o país ao desbarato, basta de dois pesos e duas medidas na justiça, basta de dar cabo do ensino público e dos ataques ao Sistema Nacional de Saúde, basta de taxas e de impostos e de confisco?! Ou será que, mais uma vez, a democracia vai resumir-se numa larga maioria a ser governada pela vontade de uma minoria de portugueses?
 
11. As imagens que chegaram de Oeiras pareciam chegadas do terceiro mundo. Se calhar Oeiras é no terceiro mundo.

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