quinta-feira, 15 de outubro de 2015

MEDIA VITA


I

A morte na morte se termina.
E amamos na esperança que a alimenta
não a transparente ferramenta
mas a alma que passa e se ilumina.

Porque estarmos na morte nos designa.
E a própria virtude que a sustenta
nela se afirma e nos ensina
a iluminar também a ferramenta

por onde a alma se ilumina e passa.
E estar na morte segue o seu destino
de saber que por esta morte baça

ir à morte é lermo-nos num signo
que se acende somente, repentino,
quando lermos é lido em obra e graça.


Fernando Echevarría (n. 1929), in Media Vita (1979). «(...) exprime-se, de início, por imagens obsessivas: a da pedra, da massa, do peso férreo e inerte, e do seu contrapólo, a força pura, um terramoto, a água, o mar, uma lágrima divina de diluvial intensidade emotiva que lhe rompa os limites: em suma, a bruteza mais opaca oposta (ou intensificada?) a uma Suma Consciência que a digira, isto é, que absorva a matéria por dentro, sem a elidir. Echeverría (sic) comunica-nos, até nas asperezas cacofónicas e nos castelhanismos ainda não reabsorvidos do seu primeiro livro, Entre Dois Anjos, 1956, a sua ansiedade fundamental pela desproporção com que mede a sua humanidade e o respectivo objecto, metafisicamente ideado, o que leva a desequilíbrios maneiristas: expressão castelhana, grandiloquente do amor divino («bomba», «monstro de ternura»), a coincidência ainda abstracta dos opostos, nomeadamente a do «frio de arder», o excesso de uma tensão metafórica que aposta em exceder os limites das significações correntes (...). Em poemas posteriores, certa disciplina classicista, nomeadamente sonetista, e certa tradição mística, em que avulta o Camões de Sobre os rios, o Pascoaes das sombras, o Pessoa esotérico, o Nemésio heideggeriano e o Sena mais discursivo, dão-lhe o suporte expansivo de uma espiritualidade que nunca abandona a obsessão de certas sobredeterminações barrocas, imagens e analogias certeiras (...)» (A. J. Saraiva e Óscar Lopes, in História da Literatura Portuguesa). 

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