quinta-feira, 8 de outubro de 2015

ROMANCE POLICIAL


Acabei o romance policial,
E sinto a amargura indefinível
Daquela personagem principal.

(Lá fora há silêncio na modorna
Que o sol lança sobre as coisas).

Pobre mulher loira que matou por amor!

Afinal, isto é banal;
Mas hoje, não sei porquê,
Sinto bem fundo o drama
Daquela personagem principal.

(Zumbe sobre a minha mesa uma mosca cansada...
Lá fora anda o calor do sol; não há mais nada).

Só eu estou cheio do sonho
Da mulher loira que matou por amor...
E, não sei bem porquê, também componho
Um drama em que entro, e é desolador.

Sinto-me simplesmente comovido
Como um colegial,
Com esta história simples, sem sentido,
E superficial.

Há dias assim,
E eu bem estou vendo como é falso
O caso do romance policial.
Mas...
Queria poder salvar
Aquela mulher dócil e franzina
Que matou por amor,
E cuja morte
Fez surgir esta dor
Que me domina.

É enternecedor
O fim do tal romance policial!
E é de mau gosto, frágil e banal!

(Lá fora, que calor!...)


Francisco Bugalho (n. 1905 - m. 1949), in Canções de Entre Céu e Terra (1940). «Entre os poetas mais directamente ligados à presença, mencionemos Francisco Bugalho, cuja nota lírica principal vibra numa ansiedade insatisfeita de identificação com nesgas de paisagem, sobretudo de bucólica alentejana» (A. J. Saraiva, Óscar Lopes, in História da Literatura Portuguesa). «Principiou o seu curso de Direito na Universidade de Coimbra e concluiu-o na de Lisboa. Viveu no Alentejo, dedicando-se à lavoura e exercendo as funções de Conservador do Registo Predial de Castelo de Vide. Colaborou em diversas publicações literárias, como Presença, Revista de Portugal, Cadernos de Poesia. Os seus versos ferem uma nota discreta e neles transparece a alma das cidades - sem excluir, contudo, certos temas inesperados que o fazem irmanar com os poetas de mais moderna índole» (Cabral do Nascimento, in Líricas Portuguesas). Pai do poeta Cristovam Pavia, pseudónimo de Francisco António Lahmeyer Flores Bugalho.

2 comentários:

Rita Nashe disse...

(tão bonito, o poema)

hmbf disse...

Ainda bem que gostou.