Quarenta por cento de álcool no sangue. Choro em barda sem ninguém saber. O propósito é desmaiar. Sem saber se volto.
Não devia beber vinho, mas a verdade é que acredito nele. Piamente. O chá não me aquece: incendeia-me. Uma prisão.
Apanhar um susto no espelho. Semente imprópria. Medo da impossibilidade. Eu já não tinha medo. Deus, além de ornitólogo, deve ser caçador de borboletas. Alfinete no centro e espetar na parede.
Fumo cigarros, bebo, imagino estrelas cadentes às cinco da tarde de Maio e não desejo nada. Fumo cigarros, bebo. Não volto a cruzar-me com o espelho. Ele tem fantasmas nas mangas prontos para me aniquilar. Eu faço isso, não preciso de ajuda.
Há cigarros, há álcool, há estrelas imaginárias e depois há eu. Há eu. Cadente. Nenhum desejo.
Saltar de um avião, seja isso o que for.
Útil.
Nervoso.
Negro mágico.
Patrícia Baltazar (n. 1977 - m. 2019), in Catapulta (2014). Publicou Ré
Menor (2010), Fumar Mata (2013) e Catapulta (2014). A sua poesia denota uma
clara inclinação narrativa, centrada no Eu e no inventário de dores e de
alucinações que o enformam. Aproximando-se de um tom tão absurdo quão
heterodoxo, usa uma linguagem fragmentada composta de notas soltas e de fogachos
que sugerem performances vocabulares algo neuróticas em busca do apaziguamento
catártico oferecido pela liberdade poética e pela beleza das imagens convocadas
(pássaros, flores, borboletas). Dirigindo-se, por vezes, a um outro concreto
(filha, irmã…), alcança momentos de inegável emotividade lírica. «A morte, o
silêncio, a dor, a tristeza, a agonia: há um fundo negativo de onde estes
poemas nunca descolam e que lhes fornece o tom para uma espécie de monólogo
interior que não se quebra mesmo quando há a invocação de um Tu. Mas este
fechamento existencial, claustrofóbico, não impede que a voz íntima ganhe uma
dimensão que não é a do confessionalismo que tornaria esta poesia vulgar» (António
Guerreiro, Expresso).
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