terça-feira, 15 de dezembro de 2015

SOIRÉES PÚBLICAS

   Pela palavra, pela escrita, pelo espectáculo que lhe dão a ver, os dadaístas querem desconcertar, ofender o seu público. E têm uma predilecção pelas grandes soirées públicas porque têm necessidade da presença de um auditório para o conduzir às reacções mais descontroladas.
   Antes da guerra, Arthur Cravan, precursor do espírito dada, já se tinha dedicado a este tipo de exercício. No dia 5 de Julho de 1914, organizara na sala das Sociétés-Savantes uma soirée memorável. Vestido com uma camisa de flanela de grandes cavas, com uma faixa vermelha à cintura, com umas calças negras e com uns escarpins leves, tinha dançado, boxeado, dado alguns tiros de pistola, antes de se lançar num elogio aos desportistas, superiores aos artistas, aos homossexuais, aos ladrões do Louvre, aos loucos...
   Em Zurique, no Cabaret Voltaire, os primeiros espectáculos orientados por Hugo Ball transformaram-se rapidamente em manifestações agressivas. Em cena, produzia-se música batendo em latas. Debaixo de um imenso chapéu, uma voz recitava poemas de Arp. Walter Serner, em vez de ler os seus, depunha flores aos pés de um manequim de costureira. Huelsenbeck uivava os seus textos, acompanhado por Tzara num bombo... (...)
   Quando, de seguida, Dada se deslocou para Paris, beneficiou da experiência adquirida em Zurique, e as sessões públicas foram organizadas de acordo com o mesmo esquema, já devidamente rodado. Para começar realizou-se a Primeira Sexta-feira do grupo Littérature, no dia 23 de Janeiro de 1920, durante a qual foi tocada música de Satie, Milhaud, Poulenc, Auric. Tzara estava presente e leu um artigo de jornal acompanhado de sons de sinetas e ruídos diversos. Picabia executou um grande desenho numa ardósia, apagando cada parte terminada antes de começar a seguinte... O público parisiense, menos paciente que o de Zurique, depressa começou a vaiar e a sessão terminou na maior das confusões.
    Manifestações do mesmo tipo sucederam-se a um ritmo constante. Em Déjà jadis, Ribemont-Dessaignes evoca assim o clima da Grande Soirée Dada, no Teatro de l'Œuvre, a 27 de Março de 1920, durante a qual a numerosa assistência se sentiu «no direito de passar ao contra-ataque, vaiando, gritando e assobiando». Dada atingiu o seu apogeu em Paris, no dia 26 de Maio de 1920, com o «Festival» da Sala Gaveau. Tinha sido anunciado que os dadaístas cortariam os cabelos uns aos outros em cena. Os espectadores haviam-se preparado para desempenhar um papel activo munindo-se de ovos e de bifes com que bombardearam Éluard, Breton, Soupault e os outros a partir do momento em que surgiram com tubos e funis na cabeça.


Henri Béhar, Michel Carassou, in Dada - História de uma Subversão, traduzido por José Miranda Justo, Antígona, Novembro de 2015, pp. 55-56.

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