domingo, 24 de janeiro de 2016

CARTA


Por mais que me asfixies de sombra
não impedirás que eu encontre a custódia
onde o meu amor entesourou divindades
nem que tuas impressões digitais
dancem no meu ar como poeira de abelhas
Por mais que te aumentes de silêncio
não conseguirás calar a tua voz
que ceifa num clarão a seara dos meus desejos

Podes entrançar cordas de distância no rumo decidido
que as nossas vidas terão as mesmas fronteiras
e registado na eternidade ficará o nosso abraço incomum

Se foste meu mestre
eu ensinei-te uma linguagem sem símbolos e sem intérpretes
Se foste meu deus
eu criei-te um universo e um infinito que te batem no pulso

Se teu riso com espadas de carne
punha meu corpo tenso em volutas de êxtase
o meu riso com sirenes de sangue
cobria-te de polpas frescas e saciava-te de dia

Podes multiplicar teus sonhos como hipóteses
que a realidade é eu ser gémea da tua realidade
E se não venço a dor de me saber póstuma em ti
lanço lavas astrais na minha caravela
que sulcará para sempre a tua água inaugural!


Leonor de Almeida (n. 1915 - ? ), in Terceira Asa (1960). Não é fácil encontrar informação sobre Leonor de Almeida, misteriosa poeta, nascida no Porto, representada na Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa (M. Alberta Menéres, E. M. de Melo e Castro) e na Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (Natália Correia). Publicou Caminhos Frios (1947), Luz do Fim (1950), Rapto (1953), Terceira Asa (1960)... Colaborou com vários jornais (Diário de Lisboa, O Primeiro de Janeiro, Diário do Minho, Jornal de Notícias...). O que dela se conhece sugere, pelo menos, uma vontade de conhecer mais.  «Leonor de Almeida, que António de Serpa classificou de nossa primeira poetisa, é, de facto, diferente de todas. Uma vocação, onde há, por vezes, laivos de genialidade; uma sensibilidade que dir-se-ia captar os inaudíveis ultra-sons do mistério, do amor, do sofrimento, uma dádiva plena, não, apenas, à vida, mas ao universo cujos elementos percorrem e cantam neste seu belo livro «Caminhos Frios» (aqui)». 

17 comentários:

Claudia Sousa Dias disse...

Mais uma escritora condenada à obscuridade. Consequências do período da ditadura.

hmbf disse...

Sabes alguma coisa dela? Nem que seja a data em que faleceu?

Claudia Sousa Dias disse...

Posso tentar perguntar a alguém que estuda estas questões de género relativamente à Literatura Portuguesa. Depois, se souber, digo-te alguma coisa...

hmbf disse...

Fico-te grato. Obrigado. Estou mesmo muito interessado em explorar mais esta autora.

Claudia Sousa Dias disse...

vou continuar a indagar:A Anna Klobucka prof em Dartmouth Massachussets sugeriu perguntar a Maria Teresa Horta em virtude das semelhanças com o nome da bisavó dela. Mas encontrei já uma breve referência na obra de Chatarina Edfeldt que tenho aqui comigo. Está na página 95 do livro dela "Uma História na História - Representações da autoria feminina na História da Literatura Portuguesa do século XX" cujo parágrafo te transcrevo:


«Começando com o lugar atribuído à autoria feminina nos discursos que se debruça, sobre a poesia, em geral nota-se já a referida dificuldade em conquistar um lugar no género histórico-narrativo. Por alguma razão, a representação das poetisas em número é ainda escassa [está-se a falar em representação feminina anterior a 1950], comno acontece no capítulo que trata a poesia da década de 50 (Fernando J.B.Martinho), onde somente a de Leonor de Almeida se encontra representada (2002:307). No entanto, mais algumas aparecem no capítulo, mas só são enumeradas como colaboradoras, sem receberem qualquer linha de aprofundamento literário.»

Nome completo: Leonor da Conceição Pinto de ALmeida, nascida a 1915, não se sabe da data de falecimento.


manuel a. domingos disse...

é uma poetisa do caraças. só lhe conheço os poemas coligidos na "Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa". e são todos muito bons.

hmbf disse...

Gracias.

Anónimo disse...

A Maria Teresa Horta conheceu-a mas depois perdeu-a de vista. Viveu por largos períodos no estrangeiro, é um pouco misteriosa. Perguntei a mais duas ou três pessoas. Se souber, digo-lhe, caro Henrique.

Ivone Mendes da Silva

hmbf disse...

Muito obrigado.

hmbf disse...

Entretanto consegui arranjar os dois primeiros livros da autora. Em Fevereiro teremos mais Leonor de Almeida por aqui...

Claudia Sousa Dias disse...

Boa!

claudia clemente disse...

Bom dia! Alguém sabe mais alguma coisa acerca da Leonor de Almeida? Agradecia imenso qualquer informação. Estou a tentar encontrar-lhe o rasto, mas perde-se algures na Dinamarca. Muito obrigada.

hmbf disse...

Olá. Infelizmente não consegui mais informações. Deixei nota de leitura sobre um dos livros da autora (http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.pt/2016/02/caminhos-frios.html). Mais um poema (http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.pt/2016/02/um-poema-de-leonor-de-almeida.html). E é tudo.

claudia clemente disse...

Muito obrigada! Vou continuar a investigar - avisarei, caso descubra algo mais. Até breve.

claudia clemente disse...

Já consegui os 4 livros. Muito bons. Uma pergunta: qual a proveniência deste retrato da autora?

hmbf disse...

Segue o link na palavra aqui.

claudia clemente disse...
Este comentário foi removido pelo autor.