quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

UM POEMA DE JORGE DE LIMA

O FILHO PRÓDIGO

Nas engrenagens das fábricas
bolem como vermes — dedos decepados de operários.
Há intestinos rotos de crianças
nos vais véns do correiame das oficinas.
A cor e a alegria das moças empregadas
dissolve-se na algazarra monótona dos teares.
O avião comeu a saudade das mães
que a distância separou dos filhos vagabundos.
Há máquinas que cegam os adolescentes
ansiosos de ver o progresso do mundo.

Um homem teve medo de enlouquecer
perseguido pela força e pelo orgulho
das máquinas assassinas.

Cadê a luz trémula de vela
para alumiar o meu poema antigo?
O lirismo perdeu a sua liturgia.
As lâmpadas Osram velam funebremente a poesia.

Ah! que existe uma tristeza na terra
que nem lágrimas produz
de sua esterilidade tão seca.

Eu sou um corpo distraído.

Boiam os meus olhos pelas superfícies.
Mas os meus olhos correm mais perigo
do que se andassem em acrobacias contemplativas
pulando no céu alto perto das estrelas.

Vovozinha venho de longe
ando há muitos séculos a pé.

Ensina-me de novo a ficar de joelhos
que já é tarde e eu quero-me deitar.



Jorge de Lima (n. 23 de Abril de 1893, União dos Palmares, Alagoas, Brasil - 15 de Novembro de 1953, Rio de Janeiro, Brasil), in revista Presença, n.º 33, 1931, posteriormente antologiado por Adolfo Casais Monteiro, in A Poesia da "Presença", 3.ª edição, Livros Cotovia, Outubro de 2003,  pp. 108-109.

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