MULHERES CONDENADAS
Qual gado pensativo, na areia, deitadas,
Dirigem o olhar ao horizonte, ao mar,
E unindo os seus pés, com as mãos aproximadas,
Sentem doces langores e arrepios amargos.
Algumas, corações pra longas confidências,
No fundo das florestas onde vagem riachos
Vão soletrando o amor das tímidas infâncias
E escavando a madeira dos arbustos jovens;
Outras, iguais a freiras, andam lentas, graves,
Através dos rochedos, entre aparições,
Lá onde santo António viu, tal como lavas,
Surgir os seios nus das suas tentações;
Existem as que, à luz das resinas viscosas
E nos mudos esconsos dos antros pagãos,
Te pedem que as socorras das febres uivantes,
Baco, tu que adormeces antigos remorsos!
E outras, cuja garganta ama os escapulários,
Encobrindo um chicote sob as longas vestes,
Mesclam, na escura noite, em bosques solitários,
A espuma do prazer ao choro dos tormentos.
Ó virgens, ó demónios, ó monstros, ó mártires,
Espíritos que desprezam a realidade,
Procurando o infinito, devotas e sátiras,
Ora ardendo a gritar, ora rompendo em lágrimas,
Vós que no vosso inferno a minha alma seguiu,
Irmãs, amo-vos tanto como vos lamento
Plas sedes insaciadas, plas dores mais sombrias
E plas urnas de amor que vos enchem o peito!
Charles Baudelaire (n. 9 de Abril de 1821, Paris - m. 31 de Agosto de 1867, idem), in As Flores do Mal, tradução de Fernando Pinto do Amaral, Assírio & Alvim, 3.ª edição, Maio de 1996, pp. 285-287.
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