quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

THE HATEFUL EIGHT (2015)



Em The Hateful Eight/Os Oito Odiados (2015), Quentin Tarantino (n. 1963) volta a apostar na figura clássica do “bounty hunter” (caçador de prémios) para construir uma história acerca do desmoronamento social de uma nação. Assistir a um filme de Tarantino é como assistir à implosão de um edifício, o espectador aguarda o momento da detonação para poder deliciar-se com o espectáculo da derrocada. É assim desde Reservoir Dogs/Cães Danados (1992), e se em algum momento fomos tocados pela redenção nos seus filmes isso foi apenas para nos certificarmos de que depois da bonança vem a tempestade. Essa tal bonança é meramente estética, pode resumir-se ao plano do Cristo crucificado que aparece logo no início do seu mais recente western. Havendo nisto uma perspectiva pessimista, ela é de um pessimismo divertido, ou seja, fundamenta-se naquele tipo de humor negro que fez as delícias dos surrealistas e alimenta muita da melhor criação artística que a humanidade deu ao mundo. Os Oito Odiados resulta, pois, como uma Divina Comédia que arrasta os seus protagonistas do Inferno gélido de uma tempestade no Wyoming para um purgatório sob a forma de retrosaria. Apoiado numa mão cheia (e mais uns dedos) de actores que oferecem garantias a partir de experiências anteriores, e embalado pela música de Ennio Morricone, maestro cujas composições definiram certo tipo de western, Tarantino explora novamente aquilo que melhor o define: diálogos. Do leque de actores fetiche, sublinhamos Samuel L. Jackson (Pulp Fiction, Jackie Brown, Django Unchained) no papel de “bounty hunter” implacável, major reformado do Exército da União, perseguido e odiado pelos sulistas que torturou e trucidou sem dó nem piedade. Do lado oposto, com a farda cinzenta dos Estados Confederados, o velho Bruce Dern (Django Unchained) é a figura perfeita de um general derrotado e acabado, carregando no rosto cerrado um ódio racista, permanecendo todo o filme sentado à beira de uma lareira. É o homem que já não se põe de pé. Entre estes, Tim Roth (Reservoir Dogs, Pulp Fiction), Michael Madsen (Reservoir Dogs, Kill Bill) e Walton Goggins (Django Unchained) têm cada um as suas particularidades, exageradas pelo olhar de um realizador que é também exímio caricaturista. Kurt Russell (Death Proof) é outra das figuras proeminentes, interpreta o “bounty hunter” desconfiado e ambicioso, tão desconfiado que por duas ocasiões, numa delas fatalmente, acaba traído por uma imprópria ingenuidade. É a figura pessimista por excelência. Nas duas únicas ocasiões em que manifesta algum tipo de crença, falha. Levado ao pormenor, o Jesus Cristo crucificado do início, enterrado na neve, é bem a imagem de uma fé e de uma esperança congeladas, que saúda os amantes de finais felizes com um irónico bem-vindos ao Inferno. Exímio a filmar diálogos, o realizador de Pulp Fiction (1994) é igualmente um mestre da prestidigitação. Daí que tanto Django Libertado (2012) como Os Oito Odiados (2015), inserindo-se no universo de um género cinematográfico essencialmente norte-americano e popular, rompem com o paradigma do western transportando-nos para dimensões simbólicas onde a atitude palavrosa e desbocada das personagens confere uma estranha dimensão literária a cada uma das sequências. Dessa dimensão ressalta um tratado impiedoso sobre as fracturas de uma América dividida racialmente, mal resolvida na sua violenta história de uma justiça alicerçada na vingança, uma justiça imoral, afundando-se num pântano de esquemas e de manigâncias, de desconfianças e de ludíbrios, onde os fracos sobrevivem como ratos e a os fortes acabam inevitavelmente traídos pelo egocentrismo que os caracteriza. Tudo isto é genial, pelo que não admira a controvérsia.

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