VIA UMBRÁTICA
Não sei! não sei se desço se subo!
Só sei apenas que é ladeira... e que me canso!
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
Do desenho dos montes tufados,
Saiem sons secos e desencontrados...
Vagueiam cegos pelos montes...
E os tufos altos das folhas, como os cegos, tateantes,
Afrouxam o cerrado das suas alas
À violência estridente dum cântico
Que calou o chilreio das fontes...
Cantam as mulheres dos cegos dos montes...
Os cegos têm mulheres que cantam!
Os muros ascorosos dos vómitos do tempo,
Construídos de membros despedaçados,
Quando o sol brinca com seu arco de oiro,
Têm, nos rostos disformes de eternos presidiários,
Uns olhos pretos que faiscam amorosos...
Os muros ascorosos
Têm olhos de mica que brilham e rebrilham!
No areal, que o tufão resseca e o mar alaga,
Os loucos correm sem vencer distâncias...
E riem, riem... julgando que o mar é lava de prata!
E os loucos só param para erguer castelos
Das covas fundas que escavaram...
E enchem as covas dos castelos que arrazaram!
O areal, que o tufão resseca,
Escuta o grande coração do mar
E tem o gargalhar
Das miragens dos loucos!
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
Não sei se desço... não sei se subo...
Só sei que vou pela ladeira
E que me canso!
E que lá ao fim, na curva derradeira,
Está o abraço
Da foice de aço,
Que vai despir-me da minha carne, tenra, inglória,
Sem contrastes,
Sem vestígio ou memória
Doutra vida
Que não seja subir esta descida!
Leonor de Almeida, in Caminhos frios, Coimbra Editora, 1947, pp. 61-63.
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