quarta-feira, 16 de março de 2016

[Nada sei das verdades dos homens]


Nada sei das verdades dos homens:

toco a pedra, a beira do poço
e sou água, memória,
dança antiga das mãos sobre as pedras —

encosto o ouvido ao corpo das árvores
e renovo a certeza de ser o fundo mais fundo da terra,
raiz, seiva e sangue onde o amor acaba
onde o amor começa —

um pé depois do outro
acerto o passo com o ritmo do peito —

colho flores com as minhas mãos de deixá-las
onde estão, a minha maneira de amá-las inteiras.


Rute Mota (n. 1980), in Nenhuma Palavra nos Salva (2007). Fazendo uso de uma linguagem contida, Rute Mota pratica uma poesia de raiz epigramática, muito próxima de alguma poesia oriental, como que conferindo ao poema um estatuto revelador que nos aproxima da essencialidade dos objectos cantados. Um amor interceptado pelo silêncio ecoa nas entrelinhas dos seus versos, atentos às vozes de um mundo natural que surge sempre em contexto contemplativo. O vento, pássaros, flores, povoam brevíssimos apontamentos de uma extrema beleza e simplicidade que denotam uma mão tão frágil quanto dominadora da sua arte.