sexta-feira, 8 de abril de 2016

CULTURA, QUAL CULTURA?

Nunca simpatizei com João Soares, nem votei em António Costa, pelo que me sinto como peixe na água a meter a barbatana no assunto. Soares nunca devia ter sido convidado para Ministro da Cultura, o que pareceu óbvio a muita gente ajuizada assim que o nome foi anunciado. Mas a razão que tornava a nomeação um erro não é bem aquela que hoje tantas espertezas saloias adiantam, como se estivessem na posse de mistérios iniciáticos inacessíveis a um leigo. A razão é outra. Há muito que a cultura portuguesa necessita de um mestre de reiki, ou de um especialista em massagem ayurvédica, alguém que domine o poder dos mantras e seja versado em mandalas, um guru, um especialista em feng shui, e não um tipo capaz de ameaçar com bofetadas os poucos intelectuais de esquerda e de direita que ainda nos sobram com créditos firmados nas páginas da dignificante imprensa portuguesa. Como aguentar este estado de coisas sem muito yoga? Já que andamos a vender tudo aos chineses, seria um passo importante a caminho da felicidade total vendermos-lhes igualmente a cultura. 
Portanto, estava-se mesmo a ver que à primeira escorregadela o filho do velho tombaria que nem um elefante desajeitado a tentar o mais simples ássana. Sublinhe-se porém a decisão digna do pedido de demissão, em contraciclo com as práticas tradicionais dos moralistas de pacotilha. Entre os tais, algumas luminárias na oposição ao actual governo que viram no passado recente ministros seus colados que nem lapas ao cargo apesar de confrontados com situações muito mais graves. Basta lembrar o quão penoso foi aguentar Relvas ou o esbugalhado Macedo depois de jornalistas andarem a comer bofetadas da bófia enquanto exerciam as suas funções no caudal dos manifestos. Uns dão e ficam, outros ameaçam e partem. É a diferença. Mas vêm agora alguns desses mesmos jornalistas comprovar o quão contraproducente é defendê-los de bastonadas. Reparem na capa absolutamente vergonhosa, mentirosa, tendenciosa que o Público guardou para o dia de hoje, referindo-se a um Costa que teria defendido Soares e a um silêncio que teria imperado entre os socialistas quando toda a gente viu o contrário. Aliás, no mesmo dia outros jornais divulgam uma leitura dos acontecimentos exactamente oposta à do Público, sendo que este insiste na parangona para lá do inimaginável com um dossier especial no seu site. Vê-se e não se acredita:



Para que servem os peritos senão para estas ocasiões? É isto assunto de primeira página, matéria com a máxima relevância. O caso das bofetadas varreu para debaixo do tapete os papéis do Panamá, o terrorismo, a crise brasileira… Não bastava escutar o Daniel Oliveira sobre o assunto nem pedir uma opinião ao Pedro Marques Lopes, é preciso, muito provavelmente, escrever um novo tratado lógico-filosófico sobre a questão. Isto é tanto mais ridículo quanto se torna óbvio passarmos todos ao lado do fundamental com este festim vergonhoso de palhaçada merdiática. E o fundamental cairá no esquecimento como se nem tivesse existido: a crónica de Augusto M. Seabra e o que nela poderia haver de proveitoso para um debate sério sobre práticas e políticas culturais, o modo de entender a cultura no país e a relação do Estado com esse domínio essencial de uma democracia adulta e saudável. Nada disso importa, nada disso interessa, nada disso fará história. Assim como não fará história o caso das bofetadas, tão merdoso quanto o caso da campanha mochileira que anda a mexer com meio mundo. Isto é tudo triste, isto é tudo ridículo, isto é tudo de uma imbecilidade e boçalidade insuportáveis. Mais vale desligar com práticas zen e esperar que metam no ministério a Maria Helena, a Alexandra Solnado, a Cristina Candeias, a Maya ou o Professor Herrero… Ou todos juntos. Sei lá.

1 comentário:

Claudia Sousa Dias disse...

Sim, ao Macedo ninguém o tirava de lá, por mais narizes que partisse quer a jornalistas quer a manifestantes. Foi preciso o escândalo dos vistos gold para lhe mostrar a "careca".