Não é por acaso que John Sturges (1910-1992) aparece tão
representado nesta lista de westerns que deve ver antes de morrer. Dos 83 filmes até agora evocados, 6
são da sua autoria: Escape from Fort Bravo (1953), Backlash (1956), Gunfight at
the O.K. Corral (1957), The Law and Jake Wade (1958), Last Train from Gun Hill
(1959) e The Magnificent Seven (1960). Antes de lhes juntarmos Joe Kidd/A Crista do Diabo
(1972), justifiquemo-nos com a mestria de Sturges na gestão das tensões, na
capacidade para abordar temas clássicos sem resvalar para a banalidade, na
ousadia que sempre manifestou quer na escolha de actores, quer na aposta em
elementos técnicos fundamentais como sejam a fotografia e a banda sonora.
John
Eliot Sturges tinha a escola dos denominados filmes de série B, sabia fazer
render os recursos. Não lhe deram nenhum Oscar, mas bem o merecia. Mais que não
fosse por Bad Day at Black Rock (1955), extraordinária aproximação do western
ao film noir. Em suma um thriller original e fundador. No que respeita a westerns, fez incursões
pela Guerra Civil e pelas Indian Wars, abordou episódios míticos como o do
tiroteio em Ok Corral que tornou famosos Wyatt Earp e o seu extravagante amigo
Doc Holliday, explorou conflitos morais e sociais. A perspectiva do mundo que
nos oferece não está isenta de paradoxos, não é linear, mas rejeita igualmente qualquer
tipo de niilismo castrador da liberdade humana e da capacidade que os homens
têm de transformar o mundo à sua volta.
Joe Kidd foi um dos últimos
filmes que assinou, porventura o derradeiro dos seus westerns propriamente ditos.
Longe de ser excepcional, tem desde logo o interesse de colocar em contracena dois míticos
actores como o são/foram Clint Eastwood e Robert Duvall. Além disso, refira-se
a bela banda sonora de Lalo Schifrin ao melhor estilo Morricone. E há ainda o
argumento de Elmore Leonard, autor de, entre outros, O Comboio das 3 e 10 ou o
romance que deu origem a Jackie Brown, de Quentin Tarantino (a Teodolito
publicou há não muito, entre nós, o romance Djibouti). Colhemos da conjugação de todos
estes elementos motivos justificadores de uma revisita.
A cidade
de Sinola, no Novo México, é o palco de um conflito entre os interesses do
grande capital e das populações locais oprimidas. Não é de espantar o assalto às
questões sociais e políticas nesta filmografia, conquanto saibamos perspectivar
o tema da justiça enquanto horizonte final de uma obra onde a temática
ideológica nunca se sobrepôs à vertente filosófica. Entre a figura do
latifundiário representado por Robert Duvall, acompanhado por um exército de
capangas, e o revolucionário Luis Chama (John Saxon) não há nenhuma
configuração do bem e do mal. No fundo, querem ambos sobrepor-se à justiça por
nenhum deles acreditar que seja essa a via pela qual poderão alcançar os seus
objectivos. Os revolucionários mexicanos reivindicam o direito à propriedade
que lhes foi usurpada, o empresário americano defende o seu negócio sem olhar a
meios.
Entre os dois opositores algo ambivalentes emerge a figura de
Joe Kidd, papel à medida do Eastwood justiceiro, mas não justicialista, que
conhecemos de inúmeros outros filmes. Começa por ser contratado por um dos
lados como pisteiro, mas acaba no outro lado quase como guarda-costas. Não há
oscilações de carácter na sua figura, não se vislumbram laivos de oportunismo. São-nos
oferecidas pistas que permitem construir a índole do personagem sem lhe
determinarmos o fio condutor, tornando-se claro o carácter pragmático com
sentido de justiça. Neste sentido, Joe Kidd talvez resulte como uma espécie de
elogio ao pragmatismo norte-americano, a uma espécie de fé no bom senso e na
moral natural que não encontra eco nas instituições e nas convenções humanas.
Com este filme exalta-se a capacidade do indivíduo não em fazer justiça pelas próprias mãos, mas
em apelar a uma consciência moral anterior a qualquer tribunal de quatro
paredes - sendo certo que no termo da acção é precisamente para essas quatro
paredes que todos tendem. Aspecto irónico da narrativa, ser o mais desregrado e
até impetuoso dos intervenientes a refrear os ânimos e a impor as regras. Eis
mais uma das belas contradições humanas que dão forma ao cinema de Sturges,
Sem comentários:
Enviar um comentário