sábado, 14 de maio de 2016

JOE KIDD (1972)



Não é por acaso que John Sturges (1910-1992) aparece tão representado nesta lista de westerns que deve ver antes de morrer. Dos 83 filmes até agora evocados, 6 são da sua autoria: Escape from Fort Bravo (1953), Backlash (1956), Gunfight at the O.K. Corral (1957), The Law and Jake Wade (1958), Last Train from Gun Hill (1959) e The Magnificent Seven (1960). Antes de lhes juntarmos Joe Kidd/A Crista do Diabo (1972), justifiquemo-nos com a mestria de Sturges na gestão das tensões, na capacidade para abordar temas clássicos sem resvalar para a banalidade, na ousadia que sempre manifestou quer na escolha de actores, quer na aposta em elementos técnicos fundamentais como sejam a fotografia e a banda sonora. 
John Eliot Sturges tinha a escola dos denominados filmes de série B, sabia fazer render os recursos. Não lhe deram nenhum Oscar, mas bem o merecia. Mais que não fosse por Bad Day at Black Rock (1955), extraordinária aproximação do western ao film noir. Em suma um thriller original e fundador. No que respeita a westerns, fez incursões pela Guerra Civil e pelas Indian Wars, abordou episódios míticos como o do tiroteio em Ok Corral que tornou famosos Wyatt Earp e o seu extravagante amigo Doc Holliday, explorou conflitos morais e sociais. A perspectiva do mundo que nos oferece não está isenta de paradoxos, não é linear, mas rejeita igualmente qualquer tipo de niilismo castrador da liberdade humana e da capacidade que os homens têm de transformar o mundo à sua volta. 
Joe Kidd foi um dos últimos filmes que assinou, porventura o derradeiro dos seus westerns propriamente ditos. Longe de ser excepcional, tem desde logo o interesse de colocar em contracena dois míticos actores como o são/foram Clint Eastwood e Robert Duvall. Além disso, refira-se a bela banda sonora de Lalo Schifrin ao melhor estilo Morricone. E há ainda o argumento de Elmore Leonard, autor de, entre outros, O Comboio das 3 e 10 ou o romance que deu origem a Jackie Brown, de Quentin Tarantino (a Teodolito publicou há não muito, entre nós, o romance Djibouti). Colhemos da conjugação de todos estes elementos motivos justificadores de uma revisita. 
A cidade de Sinola, no Novo México, é o palco de um conflito entre os interesses do grande capital e das populações locais oprimidas. Não é de espantar o assalto às questões sociais e políticas nesta filmografia, conquanto saibamos perspectivar o tema da justiça enquanto horizonte final de uma obra onde a temática ideológica nunca se sobrepôs à vertente filosófica. Entre a figura do latifundiário representado por Robert Duvall, acompanhado por um exército de capangas, e o revolucionário Luis Chama (John Saxon) não há nenhuma configuração do bem e do mal. No fundo, querem ambos sobrepor-se à justiça por nenhum deles acreditar que seja essa a via pela qual poderão alcançar os seus objectivos. Os revolucionários mexicanos reivindicam o direito à propriedade que lhes foi usurpada, o empresário americano defende o seu negócio sem olhar a meios. 
Entre os dois opositores algo ambivalentes emerge a figura de Joe Kidd, papel à medida do Eastwood justiceiro, mas não justicialista, que conhecemos de inúmeros outros filmes. Começa por ser contratado por um dos lados como pisteiro, mas acaba no outro lado quase como guarda-costas. Não há oscilações de carácter na sua figura, não se vislumbram laivos de oportunismo. São-nos oferecidas pistas que permitem construir a índole do personagem sem lhe determinarmos o fio condutor, tornando-se claro o carácter pragmático com sentido de justiça. Neste sentido, Joe Kidd talvez resulte como uma espécie de elogio ao pragmatismo norte-americano, a uma espécie de fé no bom senso e na moral natural que não encontra eco nas instituições e nas convenções humanas. 
Com este filme exalta-se a capacidade do indivíduo não em fazer justiça pelas próprias mãos, mas em apelar a uma consciência moral anterior a qualquer tribunal de quatro paredes - sendo certo que no termo da acção é precisamente para essas quatro paredes que todos tendem. Aspecto irónico da narrativa, ser o mais desregrado e até impetuoso dos intervenientes a refrear os ânimos e a impor as regras. Eis mais uma das belas contradições humanas que dão forma ao cinema de Sturges,

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