Desde criança
que falo com os mortos. A minha mãe chegou a pensar que eu tinha poderes
mediúnicos, levou-me à bruxa, benzeu-me já depois de me ter baptizado e de eu
ter feito a primeira comunhão a contragosto. Tenho aparições frequentes, nunca
me foi detectado nenhum problema de saúde mental. É uma questão de feitio. Ou de
educação.
Comecei
a ouvir falar em aparições desde que sei pronunciar as primeiras palavras, devo
ter dito luz antes de aprender a dizer papá e mamã, sou filho de Deus, filho
abençoado, porque me deram como morto à nascença antes de me ouvirem a primeira
lamentação. Chorei, recordo-o hoje após anos de terapias regressivas, porque me
estavam a dar como morto.
Era um
recém-nascido e não percebia porque tinha de chorar assim que cheguei a este
belo mundo, apesar da cara feia da parteira e das dores horrorosas que
fiz minha mãe passar. Só quando me apercebi que estavam a dar-me como nado
morto é que desatei a chorar. E de morto passei a vivo. Foi o primeiro milagre
da minha vida, uma vida rica em milagres, diga-se de passagem.
Sou de
uma terra onde é frequente Jesus e Nossa Senhora aparecem aos fiéis. E aos
infiéis também. Só nunca aparecem aos ricos, pois os ricos não precisam de sentir
a presença de Deus. Têm contas recheadas, podem meter os filhos em colégios e pagar clínicas privadas.
Deus
aparece aos pobres, aos pastorinhos, aos cegos, aos mendigos, aparece às
pessoas doentes e desviadas, Deus aparece a quem precisa dele, das suas
aparições. Falo com Deus como falo com os mortos, aos cochichos.
Perto
da aldeia dos meus pais houve um dia uma aparição famosa. Felizmente a Nossa
Senhora da Asseiceira não causou tanto furor como a de Fátima, seria arrepiante
imaginar naquela bela terra um santuário tão de mau gosto como aquele que foi erigido em Fátima.
Não
compreendo, nunca compreendi, as peregrinações a Fátima. O caminho é feio, a localidade
é medonha, o negócio em torno dos pastorinhos é a prova de que Deus não aparece
aos ricos, tudo ali é um embuste, Fátima é o local sagrado dos vendilhões do
templo, não gosto de nada do que se passa em Fátima e sempre que vejo
peregrinos a caminho daquele Inferno peço a Deus que os reencaminhe na direcção
da Nazaré.
Para mim,
o único e verdadeiro lugar sagrado fica na Nazaré.
Não me
admira que D. Fuas Roupinho ali tenha sido surpreendido por uma aparição do
Sagrado. Nossa Senhora da Nazaré merece todos os cultos que as virgens merecem.
Não há nada de lendário naquela terra, basta lá ir para o verificar.
Sempre
que vou à Nazaré olho para o céu e vejo Deus, baixo os olhos na direcção do mar
e a imagem de Deus acompanha-me, perco-me no horizonte e é Deus que lá está,
Deus num barco a lançar redes ao mar.
Deus
não era pastor de rebanhos, era pescador. Muitos dos fiéis que hoje em dia se
curvam aos pastorinhos são incapazes de perceber a diferença. Andar no
mar a lançar redes é completamente diferente de guardar rebanhos. No primeiro
caso, pesca-se. No segundo, guarda-se. É a diferença entre atrair, seduzir,
conquistar e impor a ordem pela força de um cajado.
Eu só
gosto dos pescadores, não gosto dos pastores. E gosto de ver as mulheres dos
pescadores a orarem por eles em terra.
Deus é
todo aquele peixe seco espalhado pela praia, é o lamento das carpideiras aquando
do naufrágio, é cada um dos edifícios construídos ao longo da marginal, as instalações
eléctricas num emaranhado de fios desconexos com a sua organização muito
própria e funcional.
Deus é
cada uma das montras onde se anunciam bonecas e barquinhos. Nada de velas.
Odeio velas. Aquelas velas de cera mal cheirosa que toda a gente ateia lá para
os lados de Fátima poluindo o ar. Ainda se ateassem incenso.
Nenhuma
vela de cera pode chegar a Deus como chegam as velas dos barcos na Nazaré e
como chegam os remos e as saias das nazarenas e os pregões. Cada pregão é uma
oração, os pregões da Nazaré são divinais, são eles próprios manifestações do sagrado, são hierofanias.
Compreendo
peregrinações à Nazaré, lamento profundamente os falsos cultos que atraem
peregrinos para Fátima.
Bem sei
que a descentralização também é importante nos negócios de Deus, embora neste
caso estejamos mais perante um negócio da Igreja.
Compreendo
as necessidades do interior face à abastança do litoral, mas a mim não me
distraem do que é verdadeiramente relevante.
Deus aparece-me onde me sinto bem. Para procurá-lo no
interior, prefiro as Grutas de Mira de Aire. Infelizmente, não se chega lá por mar.
7 comentários:
A Nazaré é sagrada! saúde
Estes belos fragmentos, tão delicados e contundentes, fizeram-me lembrar Bataille “Perdi a fé num ataque de riso”.
Toda a reverência numa vénia.
Deus deve ter sorrido com a tua prosa. :)
Mas talvez não tenha coragem para mudar o Santuário para o Sítio.
este pais de merda só sabe lamber o cu à icar. ainda no outro dia deram o premio da APE a um padre que só escreve banalidades merda no expresso. hoje vi outra cena completamente de arrepiar e que ninguem fala. os CTT publicaram um livro a dizer que os jesuitas foram os maiores do mundo e que fizeram muito pelo "humanismo" e pela ciencia em portugal!! porra!!! os jesuitas fizeram muito pela ciencia??? puta que os pariu. os jesuitas que dominavm a inquisição e mataram milhares de judeus na idade média, mataram os judeus que eram quem fazia a ciencia em portugal e agora foram eles os humanistas e quem progrediu a ciencia?1?!?!? e é um livro escrito pelo carlos fiolhais que é pago pela icar para vir fazer estes revisionismos completamente dementes e com o dinheiro dos contribuites, pois é pago pelos ctt. e andam a correr os boatos que o siza vieira e o varela gomes se converteram à icar. puta que os pariu a todos.
Não sei se o anónimo de cima se deu conta de que o Paulo Varela Gomes morreu há dias. Acredito no respeito devido aos mortos, goste-se ou não do que fizeram em vida.
Caro amigo, tenho todo o respeito por Varela Gomes. quem não merece respeito nenhum são os beatões que lançam esses boatossem sentido depois de as pessoas estarem mortas.
Muito bem escrito!
Enviar um comentário