sexta-feira, 13 de maio de 2016

APARIÇÕES


Desde criança que falo com os mortos. A minha mãe chegou a pensar que eu tinha poderes mediúnicos, levou-me à bruxa, benzeu-me já depois de me ter baptizado e de eu ter feito a primeira comunhão a contragosto. Tenho aparições frequentes, nunca me foi detectado nenhum problema de saúde mental. É uma questão de feitio. Ou de educação.



Comecei a ouvir falar em aparições desde que sei pronunciar as primeiras palavras, devo ter dito luz antes de aprender a dizer papá e mamã, sou filho de Deus, filho abençoado, porque me deram como morto à nascença antes de me ouvirem a primeira lamentação. Chorei, recordo-o hoje após anos de terapias regressivas, porque me estavam a dar como morto.



Era um recém-nascido e não percebia porque tinha de chorar assim que cheguei a este belo mundo, apesar da cara feia da parteira e das dores horrorosas que fiz minha mãe passar. Só quando me apercebi que estavam a dar-me como nado morto é que desatei a chorar. E de morto passei a vivo. Foi o primeiro milagre da minha vida, uma vida rica em milagres, diga-se de passagem.



Sou de uma terra onde é frequente Jesus e Nossa Senhora aparecem aos fiéis. E aos infiéis também. Só nunca aparecem aos ricos, pois os ricos não precisam de sentir a presença de Deus. Têm contas recheadas, podem meter os filhos em colégios e pagar clínicas privadas.


Deus aparece aos pobres, aos pastorinhos, aos cegos, aos mendigos, aparece às pessoas doentes e desviadas, Deus aparece a quem precisa dele, das suas aparições. Falo com Deus como falo com os mortos, aos cochichos. 



Perto da aldeia dos meus pais houve um dia uma aparição famosa. Felizmente a Nossa Senhora da Asseiceira não causou tanto furor como a de Fátima, seria arrepiante imaginar naquela bela terra um santuário tão de mau gosto como aquele que foi erigido em Fátima.



Não compreendo, nunca compreendi, as peregrinações a Fátima. O caminho é feio, a localidade é medonha, o negócio em torno dos pastorinhos é a prova de que Deus não aparece aos ricos, tudo ali é um embuste, Fátima é o local sagrado dos vendilhões do templo, não gosto de nada do que se passa em Fátima e sempre que vejo peregrinos a caminho daquele Inferno peço a Deus que os reencaminhe na direcção da Nazaré.


Para mim, o único e verdadeiro lugar sagrado fica na Nazaré.


Não me admira que D. Fuas Roupinho ali tenha sido surpreendido por uma aparição do Sagrado. Nossa Senhora da Nazaré merece todos os cultos que as virgens merecem. Não há nada de lendário naquela terra, basta lá ir para o verificar.


Sempre que vou à Nazaré olho para o céu e vejo Deus, baixo os olhos na direcção do mar e a imagem de Deus acompanha-me, perco-me no horizonte e é Deus que lá está, Deus num barco a lançar redes ao mar. 


Deus não era pastor de rebanhos, era pescador. Muitos dos fiéis que hoje em dia se curvam aos pastorinhos são incapazes de perceber a diferença. Andar no mar a lançar redes é completamente diferente de guardar rebanhos. No primeiro caso, pesca-se. No segundo, guarda-se. É a diferença entre atrair, seduzir, conquistar e impor a ordem pela força de um cajado.



Eu só gosto dos pescadores, não gosto dos pastores. E gosto de ver as mulheres dos pescadores a orarem por eles em terra.



Deus é todo aquele peixe seco espalhado pela praia, é o lamento das carpideiras aquando do naufrágio, é cada um dos edifícios construídos ao longo da marginal, as instalações eléctricas num emaranhado de fios desconexos com a sua organização muito própria e funcional.



Deus é cada uma das montras onde se anunciam bonecas e barquinhos. Nada de velas. Odeio velas. Aquelas velas de cera mal cheirosa que toda a gente ateia lá para os lados de Fátima poluindo o ar. Ainda se ateassem incenso.


Nenhuma vela de cera pode chegar a Deus como chegam as velas dos barcos na Nazaré e como chegam os remos e as saias das nazarenas e os pregões. Cada pregão é uma oração, os pregões da Nazaré são divinais, são eles próprios manifestações do sagrado, são hierofanias.



Compreendo peregrinações à Nazaré, lamento profundamente os falsos cultos que atraem peregrinos para Fátima.



Bem sei que a descentralização também é importante nos negócios de Deus, embora neste caso estejamos mais perante um negócio da Igreja.


Compreendo as necessidades do interior face à abastança do litoral, mas a mim não me distraem do que é verdadeiramente relevante.


Deus aparece-me onde me sinto bem. Para procurá-lo no interior, prefiro as Grutas de Mira de Aire. Infelizmente, não se chega lá por mar.


7 comentários:

MJLF disse...

A Nazaré é sagrada! saúde

Anónimo disse...

Estes belos fragmentos, tão delicados e contundentes, fizeram-me lembrar Bataille “Perdi a fé num ataque de riso”.

Toda a reverência numa vénia.

Luis Eme disse...

Deus deve ter sorrido com a tua prosa. :)

Mas talvez não tenha coragem para mudar o Santuário para o Sítio.

Anónimo disse...

este pais de merda só sabe lamber o cu à icar. ainda no outro dia deram o premio da APE a um padre que só escreve banalidades merda no expresso. hoje vi outra cena completamente de arrepiar e que ninguem fala. os CTT publicaram um livro a dizer que os jesuitas foram os maiores do mundo e que fizeram muito pelo "humanismo" e pela ciencia em portugal!! porra!!! os jesuitas fizeram muito pela ciencia??? puta que os pariu. os jesuitas que dominavm a inquisição e mataram milhares de judeus na idade média, mataram os judeus que eram quem fazia a ciencia em portugal e agora foram eles os humanistas e quem progrediu a ciencia?1?!?!? e é um livro escrito pelo carlos fiolhais que é pago pela icar para vir fazer estes revisionismos completamente dementes e com o dinheiro dos contribuites, pois é pago pelos ctt. e andam a correr os boatos que o siza vieira e o varela gomes se converteram à icar. puta que os pariu a todos.

xilre disse...

Não sei se o anónimo de cima se deu conta de que o Paulo Varela Gomes morreu há dias. Acredito no respeito devido aos mortos, goste-se ou não do que fizeram em vida.

Anónimo disse...

Caro amigo, tenho todo o respeito por Varela Gomes. quem não merece respeito nenhum são os beatões que lançam esses boatossem sentido depois de as pessoas estarem mortas.

Anónimo disse...

Muito bem escrito!