quarta-feira, 4 de maio de 2016

JOVEM DE 24 ANOS

Sebastião de Portugal teria 24 anos quando desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir, deixando na orfandade toda uma nação que ainda hoje o aguarda com inconsciente devoção. Quis o destino que, recentemente, um indivíduo com os mesmos 24 anos desse cabo da estátua de D. Sebastião que adornava a Estação do Rossio. A forma como a notícia é dada exemplifica na perfeição o ambiente social em que vivemos. Escreveu a jornalista que um «jovem subiu para o nicho para tirar fotos e estátua acabou por se partir ao cair ao chão». Não questionarei sequer a atabalhoada construção frásica, até por ser muito provável que também a autora da notícia seja uma jovem estagiária em início de carreira. Não posso, no entanto, deixar de reparar no qualitativo de jovem para um tipo com 24 anos de idade. Muitos dirão que tem idade para ter juízo, outros olharão com desdém para o acidente, havendo porventura quem se indigne com o sucedido até que lhe passe a febre com outra notícia do dia. A mim deu-me que pensar isto de vivermos num mundo onde se é jovem cada vez mais tempo. Estava convencido que alguém com 24 anos jamais aparecesse mencionado numa notícia aludindo-se à sua juventude. Esperaria algo do género «homem subiu para o nicho» ou «indivíduo do sexo masculino destruiu estátua» ou «palerma fez merda», mas jamais iria supor que este terrorista do património nacional pudesse ser tratado eufemisticamente deste modo. Foi acidente? Pobre desgraçado? Não foi por mal? Enfim, vivemos, de facto, tempos de desresponsabilização e a infantilização da sociedade dá nisto, um tipo é adolescente até cada vez mais tarde. Pior, um tipo é adolescente palerma até cada vez mais tarde. E os media, claro, embarcam no caudal manso da estupidificação contribuindo com o seu próprio infantilismo para esta miserável depauperação da maturidade social. Jovem, então. Se calhar não tinha por perto os pais para o avisarem, ou estava na companhia de amigos igualmente jovens, ou pediu aos pais para ir beber um copo, exagerou na bebida e teve azar. Seja. Estou mesmo em crer que a breve trecho chegaremos àquele ponto em que um tipo com meio século de vida será tratado por moço. Se não for um puto.

4 comentários:

GWB disse...

Entendo. Sei que o título da notícia é mau. Eu, sinceramente, fiquei muito espantado com outras duas coisas:
- Com o facto de terem espalhado a mesma notícia mal escrita - mesmo muito mal escrita - em todo o lado. Aquele "Sebastião montado" repete-se por tudo.
- Com o facto de não ter caído mais cedo, já que caiu assim, por alguém se encavalitar ali. Ninguém lembrou-se disto antes?
Um abraço e obrigado pelos seus textos e posts.

Anónimo disse...

Eu vejo as coisas assim. Como era possível a estátua estar no seu nicho de forma tão periclitante? Podia ter caído em cima de alguém (duma criança), poderia ter provocado mortes. Faz-me lembrar o descuido com a ponte de Entre os Rios. Será que a estátua do Marquês ou de D. José pode um dia cair e matar? Não há nenhuma entidade com responsabilidade sobre estas questões de segurança? O tal jovem não tem culpa nenhuma. Já vi, em manifestações ou celebrações de acontecimentos desportivos, pessoas a treparem à estátua do Marquês. Ninguém imagina que caia com facilidade. Não culpem o rapaz, ele devia ser indemnizado.
Se um dia a cúpula de um monumento desabar, a culpa é de quem estava por perto? Já não passo no túnel do Marão. Se desaba dizem que foi por eu ir com demasiada velocidade?

GWB disse...

Também isso.

Anónimo disse...

Lamento informar mas actualmente é-se jovem até aos 30 (Cartão Jovem dixit). Assim sendo, com 24 anos ainda se está em plena adolescência. No caso de se ser agricultor é-se jovem até aos 40, que sendo o caso posicionaria o cidadão de 24 anos em plena infância. Aliás é minha convicção que a única faixa etária que está em declínio é a idade adulta, e cada vez mais de jovens passamos rapidamente a velhos. Sofia