quarta-feira, 7 de setembro de 2016

3:10 TO YUMA (2007)

Há tempos, referi-me a Elmore Leonard (1925-2013) a propósito de Joe Kidd (1972). Muito antes de ter escrito esse western para John Sturges, Leonard publicou um dos seus mais famosos contos: Three-Ten to Yuma (1953). O mesmo conheceria uma adaptação cinematográfica 4 anos depois, assinada por Delmer Daves e com os actores Glenn Ford e Van Heflin a protagonizarem os papéis centrais. 3:10 to Yuma/O Comboio das 3 e 10 (2007) é um remake do clássico da década de 1950. James Mangold (1963), realizador responsável pela recuperação desta história extraordinária, estreou-se no western depois de obter considerável sucesso com Walk the Line (2005), uma biografia do escritor de canções Johnny Cash a merecer várias nomeações para os Oscars e uma estatueta dourada pelo desempenho de Reese Witherspoon como melhor actriz do ano. 3:10 to Yuma não teve a mesma sorte, ficando-se por duas nomeações em matéria de som. Isto apesar das excelentes performances de Russell Crowe e de Christian Bale, assim como dos desempenhos secundários mas igualmente marcantes dos jovens actores Logan Lerman e Ben Foster. 
Devemos sublinhar, antes de mais, a capacidade mostrada por Mangold para recuperar um clássico sem o destruir. As linhas fundamentais mantêm-se inalteradas, adquirindo um novo potencial reforçado por inovações técnicas que não se sobrepõem à narrativa nem nos distraem das diversas nuances exploradas no argumento. Podemos olhar para 3:10 to Yuma como para uma clássica exploração do confronto entre opostos, o bem encarnado num humilde agricultor a tentar singrar contra ventos e marés (no caso, tempos de seca e de progresso industrial) e o mal no corpo de um assaltante de comboios e de diligências que servem a prepotente indústria dos caminhos-de-ferro. Não obstante ser essa uma das faces do filme, há uma outra que se desenvolve mais em torno do que aproxima os opostos do que à volta da caracterização maniqueísta do bem e do mal, da justiça e da injustiça. Essa face é a mais humana das duas, no sentido em que nos desloca para o imo das personagens. Já não estão em causa desencontros sociais nem problemas da consciência, pelo menos não tanto quanto emergem das diversas cenas até à "anti-épica" sequência final traços de personalidade profundos e até psicanalíticos. 
Nesse fundo das personagens encontraremos um veterano a quem a guerra levou uma perna e parte do orgulho, pai de dois filhos que o impelem a provar ser homem de coragem e de palavra, capaz de ultrapassar os obstáculos da vida como de sobreviver às mentiras da guerra que o trazem ferido por dentro. E do lado oposto vislumbraremos um fora da lei, lobo alfa de uma matilha sanguinária, a descobrir dentro de si um apelo que recusa e ao qual faz questão de impor uma insensibilidade moral que os gestos não denunciam: cita a Bíblia de cor, é cavalheiro para com as senhoras, passa o tempo a desenhar. Seria precipitado partir do princípio que entre ambos, afinal, nada se opõe. Mas não é precipitado chegar à conclusão que entre ambos há algo que os aproxima, sendo que esse algo é uma forte razão para descrerem de si próprios e, por isso, se superarem. Um julga-se cobarde, incapaz de viver com a mentira que o persegue. O outro julga-se podre, incapaz de praticar o bem e a justiça. Ora, toda a história do filme conflui, precisamente, para esse ponto em que ao se negarem as personagens se afirmam. 
Eis um paradoxo substancial do humano, particularmente trágico nesse sentido em que entendemos toda a vivência da religiosidade. O que aqui está em causa é a capacidade do homem se transcender, de não se reduzir ao que sempre foi, de ir além da sua natureza assumindo sobre ela um forte autodomínio. Muitas vezes, ao rever este filme, interroguei-me acerca do remate algo superficial. Podia o filme ter terminado em vários momentos da sequência derradeira. Porquê terminar com aquela cena aparentemente patética depois do clímax a que assistimos? Refiro-me à cena em que o terrível Ben Wade, já entregue às autoridades e sentado no interior da cela, assobia para o cavalo que desata a correr ao lado da carruagem em andamento. Apontamento tão irónico quão metafórico, o do homem exercendo seu domínio sobre o animal. 3:10 to Yuma podia ser resumido a isso mesmo, à fórmula socrática para o bem supremo: autoconhecimento e, por consequência, autodomínio, ou seja, o instinto a ser superado pela determinação do saber:


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