quarta-feira, 7 de setembro de 2016

SINTAXE

Todos têm o céu, o amor e a cova,
nada temos com isso
que está discutido e tratado para o círculo da cultura.
Mas o que é novo é a questão da sintaxe
e essa é urgente:
porque é que exprimimos qualquer coisa?

Porque é que rimamos ou desenhamos uma rapariga
do vivo ou como reflexo,
ou riscamos num palmo de papel granitado
inúmeras plantas, copas de árvores, muralhas,
estas últimas como gordas lagartas de cabeça de tartaruga
estendendo-se lúgubres e baixas
por uma certa ordem?

Momentosamente irrespondível!
Não se trata da questão de honorários,
muitos aí morrem à fome. Não,
é um impulso da mão,
guiada de longe, uma atitude cerebral,
talvez um salvador atrasado, um animal totémico,
um priapismo formal à custa do conteúdo,
que passará,
mas hoje a sintaxe
é o mais importante.

«Os poucos que souberam alguma coisa disso» — (Goethe) —
Mas afinal de quê?
Suponho que da sintaxe.


Gottfried Benn (n. 2 de Maio de 1886, Mansfeld, Brandenburgo - m. 7 de Julho de 1956, Berlim), in 50 Poemas, versão de Vasco Graça Moura, Relógio d'Água, p. 63. Outro poema do mesmo autor aqui.

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