segunda-feira, 5 de setembro de 2016

DESESTIMA


Entretanto sentas-te numa pedra a olhar quem passa, está um calor difícil de suportar, a alegria dos transeuntes não te entusiasma, antes te interpela, porque não consegues participar de tamanhas vontades, não danças, não ris, não consegues sequer perceber a música que dentro de ti pede apenas que pares e que te sentes numa pedra a observar quem passa, miúdas com unhas de gele, tatuadas, rapazes em tronco nu exibindo horas de ginásio enquanto bebem pelo gargalo um vinho medíocre, um entroncamento de cores e de cheiros e de sons onde são perfeitamente audíveis os jogos forçados da mente: há muito desisti de ser feliz, bastam-me agora silêncio e paz. Entretanto uma nuvem surge para te fazer companhia, olhas para ela isolada no vasto céu azul e logo te identificas, também tu isolado no meio da multidão és a sombra que resiste envolta em luz, também tu tens olhos de cansaço e de saturação com que questionas mundo e vida e morte, também tu olhas com desconfiança para quem passa e duvidas de tanto júbilo sem resquícios de paixão, também tu assim sentado numa pedra te censuras enquanto aos outros ofereces apenas a iníqua desestima dos teus olhos: há muito desisti de ser feliz, bastam-me agora silêncio e paz. 

1 comentário:

Rita Nashe disse...

cada vez mais, isso da paz.