quinta-feira, 15 de setembro de 2016

ESTRADA


«Se um poeta só fala de galinhas, como há-de saber-se o que pensa da criação de coelhos?» A pergunta é colocada por Jorge de Sena e eu retiro-a do contexto porque a pergunta vale por si. Sim, há poetas que só falam de galinhas, passam a vida a falar de galinhas sem nunca terem sequer enfiado o dedo no cu da galinha para averiguarem da existência de um ovo, há poetas de capoeira e de aviário que fugiriam das galinhas assim que lhe sentissem o cheiro, porque eles falam das galinhas como certos bons corações falam dos pobres de espírito, falam lavados e bem alimentados, perfumados pela angústia das suas certezas. Com os poetas nada se aprende. Com sorte, podemos aprender alguma coisa com a poesia, se soubermos rasurar o que nela há de poetas e tivermos o engenho suficiente de um Moisés a separar águas. Abramos caminho entre as águas com o cajado do pensamento, de um lado insectos em agonia, do outro tempestades de sementes, abramos caminho e sigamos isolados, exilados, a ler de voz baixa para que o vento nos escute e ouça. Se alguém passar que nos chame louco, digamos que procuramos o Pokémon da sabedoria nas alvoradas do silêncio. Pela frente hão-de atravessar-se-nos coelhos, mas sobre eles nada teremos a dizer. São selvagens, andam livres pelo mundo, à mercê de caçadores imprevidentes. Com sorte sobreviverão ao mundo o tempo que a nós cabe de sobrevivência à morte. 

Sem comentários: