domingo, 11 de setembro de 2016

PARDAL




Ao lado da casa onde estou, temos um descampado outrora apinhado de árvores. No meio do descampado restam as paredes e o telhado de uma construção embargada. Fico horas a ver os pardais em voo agitado à volta das paredes. Entram pelo buraco onde existiriam janelas se a construção tivesse sido terminada, saem com impressionante agilidade pelo lado da porta. Depois pousam nos cabos de electricidade que ladeiam a estrada e ficam em lugar distinto a observar o mundo. Invejo o pequeno pardal-dos-telhados, tem privilégios que eu não tenho. Talvez eu viva mais tempo. Mas quem quer viver mais tempo sem os privilégios do pequeno pardal-dos-telhados? É muito provável que, fosse-nos dada a hipótese de escolha, escolheríamos nascer pardais. Jamais humanos.

Há dias, um casal de austríacos com uma criança instalou-se por ali. Têm a aparência de vagabundos, apesar de circularem numa carrinha Mercedes com atrelado. A criança chora muito. Observei o cuidado com que varreram, cortaram ervas, colocaram vasos. Quando vou vazar o lixo consigo ver dentro da casa uma estante com ripas que tiraram do atrelado, pelas quais se distribuem alguidares e utensílios domésticos. A criança tem muitos brinquedos e continua a chorar. A rapariga pinta telhas com figuras que parecem copiadas da simbologia rastafári. Ele caminha lentamente, desloca coisas de um lado para o outro, anda de bicicleta. Também têm um cão. O cão é feio. Apesar de se terem instalado ali, os pardais continuam a exercer os seus direitos à ocupação do espaço aéreo. Continuam em voo agitado à volta dos muros.

A rapariga dá de mamar à criança, o rapaz afaga o cão, um pardal pousa numa das telhas pintadas pela rapariga. O meu lugar é o de observador, a minha vida é observar. Infelizmente, não posso sentar-me num cabo de alta tensão. Posso subir ao telhado, isso posso.

Sem comentários: