As mulheres caminham pela cidade transportando
um segredo incólume,
alheio à espessura das casas.
Esgueiram-se inteiras pelas vielas brancas,
a sombra fina do corpo cruzando o labirinto pardo
dos prédios.
As plantas, queimadas pelo mapa da cidade,
erguem-se pelo trânsito ardente com uma
memória ancestral colhida nos pés.
E o rumo dos seus passos é o traçado do segredo.
As mulheres transportam segredos como
cântaros,
inderramáveis no equilíbrio da cabeça,
o barro suportado pela coluna antiga da memória.
São andanças longínquas sem rastro na calçada,
uma certeza inquieta arrastada pelas ruas.
Segue a passagem esquecida rumo ao beco
parado.
As mulheres cantam cântaros no silêncio do
barro,
estranhamento do segredo na cabeça seguro e
salvo.
No colo a sabedoria surda,
salva pelo andar pressentido entre os muros.
Escuta:
o saber cego desses pés!
Escuta:
a integridade do barro e o seu silêncio!
Ana Horta (n. 1975), in Ínfimo Vento (2015). Autora discreta, Ana Horta tem livros publicados em pequenas
editoras de poesia tais como Black Sun Editores (Inventa uma voz no rodopio
do corpo, 2002) e Volta d’Mar (Ínfimo Vento, 2015). Cultiva uma poesia focada
no feminino e na sua condição, conjugando um vitalismo luminoso com referências
metafísicas de ordem diversa. Apesar de não estarem de todo ausentes, os temas
quotidianos acabam secundarizados por uma manifesta obsessão pelo conflito
ontológico que apõe a vida à morte. Nota-se, de igual modo, uma inclinação para
paisagens naturais de onde surdem, por vezes como sombras indecifráveis,
figuras de uma outra dimensão mais espiritual. A figura do anjo é, entre todas,
a mais persistente.
2 comentários:
desconhecia
sempre a aprender
abr
aço
fez-me lembrar Daniel Faria.
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