Não é de todo exagerado colocar Yellow Sky/A Cidade
Abandonada (1948) entre as obras-primas do género western. Tal como acontecia
em The Ox-Bow Incident (1943), Lamar Trotti escreveu o argumento, a partir de
um romance inacabado de W. R. Burnett, e William A. Wellman (n. 1896 – m. 1975)
realizou. Há quem refira aproximações à peça The Tempest, de William
Shakespeare, mas são mais evidentes as referências bíblicas, desde a épica
travessia do deserto logo no início do filme à redenção final dos salteadores
em fuga. O filme começa com o assalto a um banco por uma quadrilha onde
encontramos alguns rostos familiares. Gregory Peck é o
líder, secundado por um Richard Widmark bem mais traiçoeiro do que noutras
ocasiões. Mas há ainda, entre outros, o imponente John Russell e o discreto Harry Morgan.
Perseguido no seguimento
do assalto, o bando segue por um deserto de sal que os homens da lei não se
atrevem a penetrar. A sequência da travessia é magistral, com os cavalos a
enterrarem-se no terreno, o calor pressentido nos lábios gretados dos actores,
a falta de água manifestando-se no discurso e nos gestos arrastados, alguns instantes de
delírio travados por uma absoluta necessidade de autocontrolo, acompanhados de
um desespero crescente que a obstinação do líder insiste em renunciar. Quando o
grupo ali entra, só sabemos que pode nunca mais dali sair. Até ao momento em
que no horizonte surge a miragem de uma cidade, e com ela a possibilidade de se
encontrar o mais precioso dos bens: água.
Yellow Sky é a cidade, ou, mais
literalmente, é a miragem de cidade. William A. Wellman oferece-nos neste filme
um dos cenários míticos do antigo Oeste, o das cidades fantasma. Aparecem em
inúmeros westerns ao longo dos tempos, mas em poucos com a estética da
desolação que Yellow Sky ressalta. Edifícios abandonados, sombras, letreiros
caídos, muito pó e vento, claro, uma desarrumação e ruína inconciliáveis com os
dois últimos e resistentes dos seus habitantes. São precisamente estes dois
últimos habitantes quem torna mais consistente a ruína do local, na medida em
que guardam na sua memória um passado que nos será acessível aos fogachos como
quem descobre a lógica de uma queda.
O primeiro a aparecer em cena é uma jovem
e belíssima Anne Baxter, de caçadeira nas mãos a abordar um bando de bandidos,
mais mortos do que vivos, desesperando por uma água que ela não lhes negará. A
jovem “Mike” vive isolada em Yellow Sky com o avô, velho mineiro com uma
história para contar sobre os tempos da corrida ao ouro. Passado e futuro
coabitam como fantasmas numa cidade abandonada que será uma espécie de
purgatório para o bando de sequiosos ali chegados. Com a alma vendida ao
demónio, a prova a que estarão sujeitos será a de honrarem a mão que os livrou
da morte certa ou traírem-na com uma ilimitada avidez.
Entre a água que lhes
matou a sede e o ouro que os torna de novo sedentos intromete-se, no entanto, a
luminosa “Mike”. Para onde penderá o coração de cada um será o rumo natural
desta história, pautada pela velha moral de que cada um tem o castigo que
procura. Ao longo do filme, é evidente a alternância de cenas nocturnas com
sequências à luz do dia. O percurso que leva a personagem de Gregory Peck das
trevas à luz é o de uma caminhada purificadora do homem ao encontro da sua
essência, redimido pela redescoberta do amor e do valor da palavra.
Embora os
temas morais sejam evidentemente privilegiados por Wellman, neste filme eles
conjugam-se com uma estética da desolação que não pode ser negligenciada. É
como se todo o filme tivesse sido rodado sobre cinzas, para que destas seja
mais evidente o renascimento operado na personagem principal. James ‘Stretch’
Dawson chegou a Yellow Sky mais morto do que vivo. Na realidade, não temos
sequer a certeza de que tenha chegado vivo. Tudo o que se passará em A Cidade
Abandonada é tão improvável em terra que não terá sido por acaso darem o nome de Sky ao local, um céu amarelo como o do purgatório. O paraíso será o destino final.
Chama-se Constance Mae, mais conhecida por ‘Mike’.
Sem comentários:
Enviar um comentário