QUE ELA VOLTASSE. DIZ AO RAPAZINHO
Que lhe sinto a falta, ah, espada tão tíbia
Que ao rádio obriga, a tez diz-lhe tão nívea
Que lhe guardo p'ra sempre o retratinho.
Que já morreu eu sei o que vivia;
Que só por ter morrido lhe só espero
Que a vida bem lhe vá (tão mal lhe quero).
Que amei, diz-lhe, sim, mais do que devia,
Que eu sei o tarde que é diz-lhe hoje cedo,
Que só agora a quero, à coisa que era,
Que antes não sabia - ah se o soubera! -
Que é póstuma a paixão e prévio o medo.
Que a vida vem da esquina, é um quiosque,
Que triste que é, que vã, que asco, que, que...
***
FALEMOS POIS SOBRE ISSO TU E EU.
Que razões aduzir ao concluído?
E entendo, se me deste por vencido
Que mais há a perder p'ra quem perdeu?
Ninguém perdeu, concluis, ganhou-se a dor.
Arbitras e pelejas ao que vejo,
E neste pugilato diz-me o pejo
Que a desistência assiste ao vencedor.
De igual doença um dia enfermávamos
E igual com seu igual iguais curávamos
Até que em seu contrário se derroga
E agora seu contrário é sua droga.
Contrárias costas peitos gémeos curam
Até que os pleitos cessem p'lo que duram.
***
NÃO SEI, DE TANTO LADO VEM O APELO,
Esta urgência de estar em toda a parte
Vem das cidades, chama-me, ouço: Parte
E eu queria, mas não hei-de, não o anelo.
Sou lento, sou lentura, sou um gelo,
Dilato-me por mim, é tudo, arte
De Ártemis que não soube, quis, caçar-te
E em natureza morta pôs desvelo.
Fico-me aqui co'a minha própria pena.
É pena, tanta pena e não me voo,
É triste, tanta tinta e não me escrevo,
Fico-me escravo aqui do meu enjoo.
Mais tarde quando ouvires a cantilena
Destrói a carta que eu por mim não devo.
Daniel Jonas, in Sonótono, Edições Cotovia, Maio de 2007.
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