Com uma vastíssima carreira em variadíssimas áreas
associadas ao cinema, Gordon Douglas (n. 1907 – m. 1993) assinou praticamente
uma centena de filmes em múltiplos géneros. O western não foi excepção. Jean
Tulard coloca-o mesmo entre os melhores neste domínio, considerando Rio Conchos
(1964) uma obra-prima e referindo-se de forma assaz entusiástica a filmes tais
como Fort Dobbs (1958), Yellowstone Kelly/O Gigante do Oeste (1959) e Gold of
the Seven Saints (1961), todos protagonizados pelo actor Clint Walker. A pedra
no sapato é Stagecoach/Cavalgada de Paixões (1966), remake de um dos mais
icónicos filmes de John Ford e, para muitos, o western dos westerns.
O original
Stagecoach/Cavalgada Heróica (1939) chegou a arrecadar dois Oscars, colocando-se
numa posição que dificilmente livraria da heresia qualquer
tentativa de reprodução. Douglas empenhou-se em desconstruir a intensidade dramática do
filme de Ford, oferecendo à sua versão uma faceta cómica que tem na interpretação
de Bing Crosby um dos pontos de interesse. A paisagem é desinteressante, as
cenas de perseguição e conflito perdem fulgor, mas o filme acaba por não
ser tão mau quanto o pintam graças a esse elemento redentor do riso que
humaniza personagens deveras teatrais num ambiente hostil e desconfortável.
A comandar a diligência encontramos um
Van Heflin mais velho e pesado do que aquele que tanto havíamos apreciado em
Wings of the Hawk/As Asas do Gavião (1953), mas no interior da carruagem mantém-se
uma vivacidade social capaz de condensar num pequeno espaço as divergências de
uma comunidade. Ann-Margret é a prostituta excomungada, Red Buttons o ingénuo
vendedor ambulante, Mike Connors o descaminhado filho de boas famílias, Alex
Cord o fora-da-lei de bom coração, Bing Crosby o médico alcoólico de uma
sociedade falida, Robert Cummings o banqueiro vigarista e Stefanie Powers a
dedicada mulher de um militar. A cada uma destas personagens podíamos fazer
corresponder cada um dos sete pecados mortais, não se desse o caso de ser muito
mais interessante olhar para elas enquanto partes integrantes de uma comunidade
a desintegrar-se.
O foco não é, deste modo, colocado nas personalidades individuais, mas sim
nas formas de interacção que aproximam e afastam cada um dos elementos desta diligência
à beira do abismo. A caminho de Cheyenne, os segredos que cada um carrega
tornam-se irrelevantes face à necessidade de conjugar esforços perante o fogo
cruzado do inimigo.
Já na década de 1980, Ted Post, o de Hang ‘Em High (1968),
também se aventurou sem sucesso numa reconstrução do clássico de Ford. O
problema é nada ser possível melhorar numa obra já de si perfeita. Ainda assim,
o filme de Doulgas tem o mérito da heresia. Muito dado a remakes, o western é
um género onde quase sempre uma excessiva reverência ao original atraiçoa as
expectativas. Artifícios tecnológicos novos não são quanto basta para a
reinvenção de um clássico. Gordon Douglas não só foi parcimonioso no uso de tais
artifícios como parece desinteressado de copiar a aura trágica do original,
recolorindo com tons de comédia cenas que roubam tensão ao todo mas
descomprimem cada uma das personagens em acção. O resultado é claramente popular,
numa tentativa de reaproximar das massas um género que havia perdido fôlego nos
últimos anos e quase parecia estar morto na década de 1960.
Compreende-se,
pois, que tenha havido quem considerasse desastrosos tais esforços, mas
passados cinquenta anos a cavalgada de paixões guiada por Van Heflin tem um
outro impacto. Tornou-se um objecto de colecção que nos permite pensar como é
que ao longo de 100 anos foi possível ir realizando “filmes de cowboys” sem que
o género se esgotasse nos seus inevitáveis clichés.
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