Um pormenor da tragédia divina, a morte de um deus.
Paul-Marc-Joseph Chenavard não inspira cuidados, foi confinado às curiosidades
do museu. Ninguém o cita, ninguém o refere, ninguém lhe dedica poemas, ninguém
se lembra sequer de o colocar entre os que previram o fim. As crianças desfilam
com seus trajes carinhosamente preparados. Lembro-me de quando era criança, da
dedicação investida por minha mãe num traje que nunca consegui exibir. Tive desde
muito cedo aversão a máscaras, não consigo ver o mundo senão por um olhar despido
de lentes. Também eu projecto fins, já num tempo antevisto por Chenavard.
Pequenos deuses desfilam agora seus trajes, seguem em fila pelas ruas da
cidade, aplaudidos, fotografados, motivando sorrisos, comentários com tanto de
ternura como de graça. Neles subsiste a força desmaiada das divindades, deuses
de palmo e meio a cortarem o trânsito, impedindo a passagem de quem como eu
carrega ainda o peso das coisas sagradas numa mente delirante. Deuses e foliões,
uma mesma raiz para distintos credos. Chenavard viveu no século XIX, nele ainda
pesaram os deuses. Assistiu ao assassínio do sagrado e registou-o, levando
Baudelaire a considerá-lo um digno representante da decadência. Largada a
auréola na lama, restava-nos então o homem. Este homem que hoje desfila disfarçado
de humano. No caudal absurdo da actualidade, tendo a prezar o Carnaval
como um momento raro de verdade. Parece um paradoxo, mas é mascaradas que as pessoas surgem mais autênticas. Eu, que sempre detestei mascarados e desprezo histriões.
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