Ilha de Moçambique
4 de Agosto de 1899
Apareceu-me hoje de manhã no Tribunal um preto muçulmano, em estado andrajoso e, para mais, cego de um olho e mudo, o que, como está bom de calcular, gerou sérios problemas de comunicação. Acresce que não compreendia Português e, aparentemente, tampouco encontrava motivo para a sua detenção, pelo que se encontrava bastante agitado, chorando e esbracejando, a um tempo. Condoído da sua figura patética, averiguei o que se passara.
Abibo, é esse o seu nome, chegara ontem do continente, mais precisamente de uma das praias que se avistam da costa ocidental da Ilha, e desconhecia por completo as normas desta municipalidade. Fôra apanhado a defecar na praia como é uso na sua terra, até por aí não haver pedagogia em contrário, latrinas ou bacios. E, até com certa lógica, não acham os nativos melhor sítio para fazerem as suas necessidades, postoque a água do mar, com que se lavam depois do serviço, se encarrega em seguida de levar a imundice para longe. O hábito só pode, porém, ser considerado menos mau em locais onde não haja senhoras, o que não é aqui o nosso caso.
E foi assim que um sargento do exército foi alertado para o sucesso ao ouvir os gritos de Madame Benoit, uma viúva francesa que aqui permaneceu após a morte do marido, que jazia quase desmaiada no pavimento, tomada de indignação exacerbada pela visão do traseiro do mudo Abibo.
O mudo vai ser amanhã presente ao Juiz, embora se adivinhe que o esperam já uns quantos dias de cadeia, por não ter com que pagar a elevada coima correspondente ao crime em causa.
Não se sabe, aliás, se será acusado de despejos ilícitos ou de atentado ao pudor. O que quer que seja decidido, o caso foi motivo de farta risota entre o pessoal do Tribunal e apressei-me a espalhar a anedota, no que fui coroado de êxito.
Mariano Gracias
Miguel Martins, in Muhípiti, Erasmos, 1997, p. 49.
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