sexta-feira, 17 de março de 2017

PRIMEIRO ESBOÇO DE UMA MÃO


   Agitemos aqui A MÃO, a mão do Homem!

1

   A mão é um dos animais do homem: sempre ao alcance do braço que sem cessar a alcança, o seu morcego diurno.
   Em repouso aqui ou acolá, pomba ou rolinha, muitas vezes então reunida à sua companheira.

   Depois, forte, ágil, esvoaça em volta. Esconde a sua fronte, passa diante dos seus olhos.
   Prestigiosamente representando as Euménides.

2

   Ah! É também para o homem como que a sua barca com amarra.
   Puxando como ela até ao limite da corda; baloiçando o corpo sobre um e outro pé; inquieta e teimosa como um cavalo novo.
   Quando a vaga se agita, fazendo o sinal de nem bem nem mal.

3

   É uma folha mas terrível, pregnante e carnuda.
   É a mais sensitiva das palmas e o caranguejo dos coqueiros.
   Vejam a direita a correr aqui por esta página.

   Eis a parte do corpo melhor articulada.
   Há um boi no homem, até aos braços. Depois, a partir dos pulsos - onde as articulações se desmultiplicam - dois caranguejos.

4

   O homem tem o seu botão electro-magnético. Depois o seu celeiro, como uma abadia reconvertida. Depois os seus moinhos, o seu telégrafo óptico.
   De lá saem por vezes andorinhas.

   O homem tem as suas bielas, as suas charruas. E a sua mão para os trabalhos de rigor.
   Pá e pinça, croque, remo.
   Tenaz carnuda, torno.
   Quando uma faz de torno, a outra faz de tenaz.
   É também esta cadela que por tudo e por nada se deita de costas para nos mostrar o ventre: palma oferecida, a mão estendida.
   Servindo para agarrar ou para dar, a mão para dar ou agarrar.

5

   Ao mesmo tempo marioneta e cavalo de lavoura.

   Ah! É também a andorinha desse cavalo de lavoura. Pica no prato como o pássaro na bosta.

6

   A mão é um dos animais do homem; muitas vezes o último a deixar de mexer.

   Ferida por vezes, arrastando pelo papel como um membro retesado uma caneta enxertada que aí deixa o seu rasto.
   Esgotada, ela pára.

   Arrepanhando então o lençol ou amarfanhando o papel, como um pássaro que morre crispado na poeira, - e aí se abandona enfim.


Francis Ponge (n. 27 de Março de 1899, Montpellier, França - m. 6 de Agosto de 1988, Le Bar-sur-Loup, França), in Alguns Poemas, tradução de Manuel Gusmão, Edições Cotovia, Fevereiro de 1996, pp. 73-75.

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