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A minha estrada é pavimentada a tinta. Escrevo a minha
estrada, escrevo o meu mapa. Toda esta deambulação é uma mesma viagem.
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Acho que a vida tem mais de ridículo do que de horroroso.
As nossas maiores tragédias nascem daquilo que é mais cómico em nós: a nossa
estupidez e paralela vontade de auto-engrandecimento.
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Vivo com o desespero de quem está apaixonado e lhe querem
roubar o amor. Aproveita agora, ou morre ridículo – relembro isto todo o tempo.
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Não interessa a idade que temos, já todos perdemos tempo
demais em coma, em relações podres, empregos da treta, ou a ver televisão! Esta
é a urgência.
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Em África apanham macacos usando uma técnica muito
interessante: colocam pedrinhas (que chocalham) dentro de um coco que tem um
orifício onde, a custo, entra a mão do macaco. O coco, claro, está preso. O
macaco chocalha o coco, fica curioso com o que tem dentro e enfia a mão lá
dentro. Depois de agarrar numa das pedrinhas tenta retirar a mão com a sua
preciosa conquista… Mas o punho fechado em murro não lho permite. Vai ficar
ali, preso, agarrado a uma inútil pedrinha, sem conseguir libertar-se.
Obviamente comem-no. Nós também somos estes infelizes macaquinhos, de punhos
cerrados envolta das nossas tretas. / As nossas ideias, desejos, certezas.
Os nossos territórios, petróleos, igrejas, os nossos conceitos de felicidade. O
nosso euzinho – essa é a principal das pedras a que nos agarramos. As
nacionalidades, as fronteiras, as posses. Um pesadelo cómico em forma de donut,
que se repete, sem parar, até que se abra os olhos e se veja algo novo, algo
que nos muda, algo que está para lá da mortalha mental de ruído que
consideramos ser a nossa identidade. Ou se morra sem ter visto nada. Precisamos
de ver algo para lá, através. E largar as inutilidades, caso contrário somos
mesmo comidos.
Miguel Gullander, autor de A Balada do Marinheiro-de-Estrada (Cavalo de Ferro, 2005), Perdido de Volta (Dom Quixote, 2008) e Através da Chuva (D. Quixote, 2014), em entrevista reproduzida aqui.
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