Raramente encontramos actores de ascendência índia nas
fileiras de Hollywood. Sem me ter dado ao trabalho de pesquisar, lembro-me de
dois casos de relativo sucesso. Graham Greene, com um currículo vasto em papéis
secundários, mereceu nomeação para um Oscar pelo desempenho em Dances With
Wolves/Danças com Lobos (1990). Outro exemplo de relativo sucesso, embora com uma
cinematografia muito mais restrita, é o de Chief Dan George. Clint Eastwood
requisitou-o para o magnífico The Outlaw Josey Wales/O Rebelde do Kansas
(1976), seis anos depois de ter sido nomeado para um Oscar pela participação em
Little Big Man/O Pequeno Grande Homem (1970).
Dustin Hoffman é o actor principal neste estranho western
de Arthur Penn (n. 1922 – m. 2010), a quem devemos, como já tive oportunidade
de sublinhar, uma obra-prima intitulada The Left Handed Gun/Vício de Matar
(1958). A estranheza de Little Big Man vem não só da sua estrutura incaracterística,
mas da própria envolvência algo picaresca que Penn ofereceu a um filme onde a
tragédia se equilibra com a comédia sem cair para nenhum dos lados.
Hoffman é Jack Crabb, um centenário que recorda para um
gravador as suas aventuras e desventuras depois de aos dez anos ter perdido a
família durante a travessia das grandes planícies do Oeste e de ter sido
adoptado por uma tribo da comunidade cheyenne. Parábola da América, como, de
resto, pretende ser toda a obra de Arthur Penn, Little Big Man transporta-nos
para o centro de um conflito entre duas formas bem distintas de olhar o mundo.
Fá-lo apoiando-se numa personagem que passa a vida a saltar de um lado para o
outro até ao extermínio de um dos lados. Sabemos qual.
A perspectiva sobre o dito mundo civilizado é
assumidamente cínica, destacando, especialmente, a hipocrisia bárbara dos
intervenientes. Entre eles, um reverendo que procurará educar catolicamente o
nosso pequeno grande homem enquanto enfarda comida e é traído pela mulher.
Esta, numa soberba personificação de Faye Dunaway, acabará os seus dias num bordel
como amante predilecta do pistoleiro Wild Bill Peacock. Mais efémera é a
aparição de Buffalo Bill, apontamento que sublinha o extermínio de um mundo
selvagem sob os olhos gananciosos de vendedores de banha da cobra e empresários
corruptos. Um caricato Gen. George Armstrong Custer é outra das figuras
proeminentes nesta história, num papel onde é difícil destrinçar os momentos de
lucidez de uma ambição alienante. A sequência que recria a célebre Batalha de
Little Bighorn é hilariante, com Custer tomado por uma loucura que faz dele a
mais lunática das personagens entre os grandes heróis que a história americana
celebra.
Igualmente singular é a perspectiva desenhada sobre as
comunidades índias. Geralmente secundarizadas nos westerns, ocupando o papel de
uma força ameaçadora do progresso, ou ridiculamente elevadas a uma
espiritualidade estéril, aqui e acolá interrompida por aguerridas acções de
resistência à aniquilação final, as comunidades índias surgem enquadradas neste
filme com inusitado grau de razoabilidade. Inédita é a aparição, por exemplo,
de um dois espíritos (índio homossexual), mas também a evocação de modos de
organização social diversos com interpretações abertas da própria noção de
família. A qual, refira-se, era muito mais do que um núcleo restrito de pessoas
distribuídas por um tipi, mas antes toda a tribo entendida como comunidade de
irmãos no seio de uma mesma mãe: a Terra.
Por todas estas razões, Little Big Man é um objecto
cinematográfico sui generis. Se o tom picaresco de várias sequências pode
levar-nos a desconfiar da autenticidade dos intervenientes, não deixa de ser um
facto que por detrás da farsa quase sempre vislumbramos uma mensagem de
verdade. E essa verdade é a de que na raiz de um fresco histórico reside o ácido
burlesco da humanidade, conjunto inumerável de seres que tendem a olhar para si
e para a sua história com uma seriedade tantas vezes adúltera. Talvez a
explicação para a longevidade de Jack Crabb, depois de tantas peripécias,
esteja precisamente na essência indefinida da sua existência. Nem branco, nem
índio, um pouco de ambos sem ser apenas um dos dois.
2 comentários:
Este é o melhor western que alguma vez vi!
É para mim uma influência.
Já esperava há anos por esta sua crónica.
:-) Lamento a demora. :-)
Enviar um comentário