segunda-feira, 17 de abril de 2017

LITTLE BIG MAN (1970)



Raramente encontramos actores de ascendência índia nas fileiras de Hollywood. Sem me ter dado ao trabalho de pesquisar, lembro-me de dois casos de relativo sucesso. Graham Greene, com um currículo vasto em papéis secundários, mereceu nomeação para um Oscar pelo desempenho em Dances With Wolves/Danças com Lobos (1990). Outro exemplo de relativo sucesso, embora com uma cinematografia muito mais restrita, é o de Chief Dan George. Clint Eastwood requisitou-o para o magnífico The Outlaw Josey Wales/O Rebelde do Kansas (1976), seis anos depois de ter sido nomeado para um Oscar pela participação em Little Big Man/O Pequeno Grande Homem (1970).
Dustin Hoffman é o actor principal neste estranho western de Arthur Penn (n. 1922 – m. 2010), a quem devemos, como já tive oportunidade de sublinhar, uma obra-prima intitulada The Left Handed Gun/Vício de Matar (1958). A estranheza de Little Big Man vem não só da sua estrutura incaracterística, mas da própria envolvência algo picaresca que Penn ofereceu a um filme onde a tragédia se equilibra com a comédia sem cair para nenhum dos lados.
Hoffman é Jack Crabb, um centenário que recorda para um gravador as suas aventuras e desventuras depois de aos dez anos ter perdido a família durante a travessia das grandes planícies do Oeste e de ter sido adoptado por uma tribo da comunidade cheyenne. Parábola da América, como, de resto, pretende ser toda a obra de Arthur Penn, Little Big Man transporta-nos para o centro de um conflito entre duas formas bem distintas de olhar o mundo. Fá-lo apoiando-se numa personagem que passa a vida a saltar de um lado para o outro até ao extermínio de um dos lados. Sabemos qual.
A perspectiva sobre o dito mundo civilizado é assumidamente cínica, destacando, especialmente, a hipocrisia bárbara dos intervenientes. Entre eles, um reverendo que procurará educar catolicamente o nosso pequeno grande homem enquanto enfarda comida e é traído pela mulher. Esta, numa soberba personificação de Faye Dunaway, acabará os seus dias num bordel como amante predilecta do pistoleiro Wild Bill Peacock. Mais efémera é a aparição de Buffalo Bill, apontamento que sublinha o extermínio de um mundo selvagem sob os olhos gananciosos de vendedores de banha da cobra e empresários corruptos. Um caricato Gen. George Armstrong Custer é outra das figuras proeminentes nesta história, num papel onde é difícil destrinçar os momentos de lucidez de uma ambição alienante. A sequência que recria a célebre Batalha de Little Bighorn é hilariante, com Custer tomado por uma loucura que faz dele a mais lunática das personagens entre os grandes heróis que a história americana celebra.
Igualmente singular é a perspectiva desenhada sobre as comunidades índias. Geralmente secundarizadas nos westerns, ocupando o papel de uma força ameaçadora do progresso, ou ridiculamente elevadas a uma espiritualidade estéril, aqui e acolá interrompida por aguerridas acções de resistência à aniquilação final, as comunidades índias surgem enquadradas neste filme com inusitado grau de razoabilidade. Inédita é a aparição, por exemplo, de um dois espíritos (índio homossexual), mas também a evocação de modos de organização social diversos com interpretações abertas da própria noção de família. A qual, refira-se, era muito mais do que um núcleo restrito de pessoas distribuídas por um tipi, mas antes toda a tribo entendida como comunidade de irmãos no seio de uma mesma mãe: a Terra.

Por todas estas razões, Little Big Man é um objecto cinematográfico sui generis. Se o tom picaresco de várias sequências pode levar-nos a desconfiar da autenticidade dos intervenientes, não deixa de ser um facto que por detrás da farsa quase sempre vislumbramos uma mensagem de verdade. E essa verdade é a de que na raiz de um fresco histórico reside o ácido burlesco da humanidade, conjunto inumerável de seres que tendem a olhar para si e para a sua história com uma seriedade tantas vezes adúltera. Talvez a explicação para a longevidade de Jack Crabb, depois de tantas peripécias, esteja precisamente na essência indefinida da sua existência. Nem branco, nem índio, um pouco de ambos sem ser apenas um dos dois.

2 comentários:

ZMB disse...

Este é o melhor western que alguma vez vi!
É para mim uma influência.

Já esperava há anos por esta sua crónica.

hmbf disse...

:-) Lamento a demora. :-)