quarta-feira, 12 de abril de 2017

NORMAL

Fiz duas viagens de finalistas. Não porque tenha sido repetente, mas porque os meus pais eram mãos largas. Nas duas ocasiões fui inserido num grupo vasto de alunos tendo Benidorm como destino. Estamos a falar de 1991 e 1992. Fazíamos o que era suposto fazer. Bebíamos, fumávamos, tentávamos engatar miúdas nas discotecas, alugávamos motas durante o dia, gastávamos dinheiro nos kartings, íamos à praia. As chamadas drogas leves, haxixe e erva, eram recorrentes. Nessa altura estava na moda o ecstasy, muito popular entre a malta das raves. Como não gostava de música electrónica, e preferia o álcool a comprimidos que obrigavam à ingestão de água, passei ao lado da grande aventura alucinatória. Na realidade, era um anjinho se comparado com o que agora vejo. Bebia muito, é certo, e descarregava raivas no mosh, ao som dos Nirvana. As raparigas foram uma miragem. Acabava tudo invariavelmente estragado quando começava a falar-lhes na poesia do Jim Morrison. Nunca tive jeito nem paciência para coros. 
Em suma, não posso dizer que seja exemplo para quem quer que seja. Mas sirvo-me do meu exemplo para estranhar os novos conceitos de normalidade que pululam a propósito de notícias recentes sobre viagens de finalistas. Paredes riscadas, normal, beatas e garrafas espalhadas pelos corredores do Hotel, normal, um tecto falso desfeito, normal, material de segurança vandalizado, normal. É tudo normal. Também parece que é normal festas cujo objectivo é simplesmente distribuir álcool por rapazes e raparigas até que caiam para o lado, bebendo com a normalidade de quem busca o excesso. Umas mamalhudas seminuas a dançar em cima de colunas, mestres-de-cerimónias que organizam o caos da bebedeira e piscinas atoladas de putos ébrios em amena normalidade são o retrato do dia. Portanto, tudo normal. 
Compreendo e aceito diversas formas de diversão, mas sinto alguma dificuldade em atribuir o epíteto de normalidade a muito do que vou vendo. Não me parecem nada normais os estilos exibidos em programas de televisão cujo público é maioritariamente adolescente (veja-se a MTV), para não falar das aberrações que a TV portuguesa consegue desencantar para os chamados reality shows. Se aquilo é real, e presumo que alguma realidade possam tais protótipos induzir, então o anormal serei eu. A verdade é que num mundo em que os rapazes se parecem cada vez mais com uns grunhos sem classe que mal dariam para porteiros de discoteca, e as raparigas circulam por casa (dos segredos ou das revelações) com aspecto de putas em bordel de aldeia, torna-se difícil, muito difícil, destrinçar o normal do anormal. 
Acho normal que a violência excite burgessos, já não acho tão normal que divirta alunos do secundário. É de violência que estamos a falar, não é? Violência sob várias formas, muita dela trasvestida de entretenimento, socialmente admitida como se não fosse o que na realidade é. Porque o problema é precisamente este. Sob pena de passarmos por retrógrados, conservadores ou simplesmente anacrónicos, recusamos olhar a realidade e largamos as rédeas da educação. Ficamos à espera que sejam os outros a fazer o que não estamos nós para fazer. É tão cansativo educar um adolescente, prepará-lo para se divertir, para ir de férias com os amigos e comportar-se humanamente, cometendo os excessos que há-de cometer sem pisar o risco da violência. Um risco ténue, inerente a cada um, mas impossível de incutir se os exemplos forem, enfim, os que vêm sendo massificados por uma sociedade cada vez mais indiferente aos mentecaptos que gera.

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