Miúda contigo na rua,
miúdo com cinismo de velho
- os dois todos coçados,
eu a chupar-te os cigarros e os olhos
como um peixe no prato,
a ordenar a minha boca desajeitada
ordenhar-te a glande detrás da carcela,
a abraçar-te a penumbra húmida,
porque se suares -
Pedes licença, trancas-te no lavabo,
tocas-te e é o dilúvio nos sanitários.
Sais com girinos e moreias numa enxurrada,
ordenas «escancara-te, temos de ir de viagem».
Não obedeço. De todo o modo,
frustrar-te-ia.
O que tenho para oferecer são
intuições penduradas da pestana da alma
onde conseguirás reservar florestas várias,
culturas esquecidas da grande Ásia,
novas estirpes da malária,
enxertos para preservar vinhas roxas hereditárias.
Esgotadas, fechar-se-á a pálpebra.
Em última instância, o fim não é estridente
- é franquear devagar a soleira e,
com delicadeza enfermeira,
fechar silenciosamente a porta,
silenciosamente como nos filmes,
silenciosamente num ardil de sonoplastia.
O fim, o irrepreensível sonoplasta.
Esquecer não é mudar de pele,
semear epiteliais no tapete,
pelos lençóis,
pelas almofadas,
na água que me lava,
não é passar um obsessivo pano
onde os teus dedos pousaram,
naquilo que pressionaram e vergastaram.
Esquecer é cirandar com erupções tapadas,
assustar memórias,
despejá-las como a uma família cigana em propriedade
alheia.
É negar dias,
negar filhas,
recusar víveres,
lacrar a vagina,
engolir idioma e língua,
fazer dos olhos salinas,
- ver nada,
ver-me agora nada.
Esquecer é largar casca até à seiva,
esquecer que,
naquela camada amachadada,
se foi uma possibilidade de copa
balouçante à brisa prateada,
ramos alquebrados de bagas,
antecipando a polinização.
Dispersos na manta morta.
Esquecer-te é deixares de ser
mãos suadas,
nudez no parapeito,
cópula à janela,
língua por mim adentro,
falo a explodir-me no ânus,
invasão dos tecidos moles,
tornares-te um epitáfio sem lápide
garatujado num livro.
Este é o roteiro de despedida que prefiro.
Catarina Santiago Costa (n. 1975), in Tártaro (Maio de 2016). Dois livros breves publicados pela Douda Correria, ambos em
2016: Estufa e Tártaro. Com licenciatura em Filosofia, incorpora em poemas de enorme
visceralidade elementos que nos enviam para latitudes onde a materialidade do
corpo se impõe a qualquer hipótese metafísica. A linguagem impetuosa, a espaços
lúbrica e despudorada, entremeia automatismos vários, sublinhados pela
acumulação de substantivos justapostos, com versos sensíveis e fortemente
sugestivos de um ponto de vista imagético. É uma poesia que dá lugar ao excesso
e à crueldade, sem abdicar, porém, dos atalhos desbravados pelo sarcasmo e pela
causticidade do discurso. Certos jogos de palavras talvez fossem desnecessários, na medida em que nada parecem favorecer o contraste instalado entre o discurso visceral e a sensualidade das imagens.
3 comentários:
Não consigo subscrever esta poesia que tenta conter em si, usando as expressão anglo-saxónica, «everything but the kitchen sink». Que falta faz ali polir, burilar até deixar uma ideia central, uma medula espinal no poema. Assim, apenas se encontram os nervos, captadores de estímulos, que vagueiam perdidos, sem esperança de confluência. Afluentes de um rio que não corre, por outras palavras.
Grata pela crítica honesta.
Tinha saudades deste lugar.
Gosto muito.
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