Um dos prazeres que tenho na vida é olhar o mundo através
dos olhos das minhas filhas. Isso é possível, em certa medida, observando as
fotografias que elas vão captando com a máquina cá de casa.
Dá para perceber, por exemplo, a preferência da Beatriz
pelos pormenores. É também mais experimental do que a Matilde, denota uma forte
tendência para planos inclinados, fragmentos de estruturas que rasgam a
paisagem ou decompõem o todo do qual são parte integrante. Percebo-lhe um desrespeito
pela forma que, curiosamente, tem pouco que ver com o perfeccionismo a que se
propõe sempre que executa uma tarefa. Há uma encantadora autonomia no olhar da
Beatriz.
A Matilde é mais meticulosa e apolínea, gosta de
enquadrar os fenómenos como quem procura contar uma história. Tem um olhar
narrativo. Busca amiúde espaços amplos, abertos, tentando vislumbrar-lhes
equilíbrio e coerência. Por outro lado, os motivos que lhe reconheço são quase
sempre românticos, líricos, poéticos, uma poética do deslumbramento que também
me encanta pela candura com que constrói os mundos do mundo.
Tenho duas filhas muito diferentes uma da outra, mas
tenho igualmente dentro de mim o que a ambas distingue. Apolíneo numas coisas,
dionisíaco noutras, divido-me com a noção do desafio constante que é manter-me
equilibrado.
A fotografia ao alto é da Beatriz. A de baixo é da Matilde.
2 comentários:
Que coisa mais linda! Se não te importas, Henrique, vou partilhar.
Claro que não me importo.
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