quarta-feira, 17 de maio de 2017

MOONFLEET

Baseado numa popular história escrita por J. Meade Falkner, onde o gótico e a aventura se misturam, Moonfleet/O Tesouro do Barba Ruiva (1955) é um dos filmes americanos de Fritz Lang menos considerados. No entanto, é ainda o sentimento de culpa, tema maior na obra do cineasta alemão, o que mais evidentemente atravessa a relação entre o trapaceiro Jeremy Fox e a criança que foi entregue ao seu cuidado por uma ex-amante caída em desgraça. 
Com a acção concentrada numa vila piscatória no sul de Inglaterra, o filme balanceia uma humanidade separada por classes mas unida no crime. Contrabandistas rústicos ao serviço de aristocratas corruptos, perseguidos por um magistrado que ninguém respeita. A adaptação livre operada por Lang coloca o foco na relação entre o inocente rapaz John Mohune e o ambíguo Jeremy Fox, que tanto procura ver-se livre do rapaz como se aproveita dele em benefício próprio, acabando por recuar nos seus intentos para nos servir um final feliz. Cinema, portanto. 
A questão que se me coloca é até que ponto seria possível tal inversão moral. O cinema está cheio destes exemplos de conversão, tipos de mau carácter que mudam o sentido das suas acções impelidos pela força maior da consciência. Seria preciso maior prova de que o cinema não é uma reprodução da realidade? Fazer-nos acreditar nesta possibilidade é um apelo aos bons sentimentos, uma promoção artística dos valores verdadeiramente humanos. No plano real, quotidiano, histórico, a maioria dos exemplos desmente a boa vontade do artista. 
Um canalha raramente deixa de ser um canalha, um cretino raramente deixa de ser um cretino, uma mente corrupta raramente logra transcender as fronteiras da corrupção. Não sou propriamente fatalista nem fundamentalista nestas questões. Acredito que um tipo que faça algo de errado possa tomar consciência desse erro e procurar melhorar enquanto pessoa, acredito na boa vontade do ser humano e na sua capacidade de se transcender. Mas o facto de acreditar não desmente os dados da observação, segundo os quais constatamos haver muita gente ruim e malformada...
...gente sem qualquer sentido ético da existência, gente arrivista, gente capaz de fintar a lei convencida de que a lei é apenas um empecilho no seu direito ao sucesso, gente para quem tudo vale, gente que não olha a meios para atingir fins, gente gentalha do mais cruel e insensível que possamos imaginar, gente para quem o outro não é senão coisa ao seu dispor, gente medíocre, interesseira, presunçosa que nem reconhece o mal que faz aos outros quando esse mesmo mal a atinge, porque, como dizia o poeta, é castigo do vício o próprio vício e, como diz o povo, há feitiços que se voltam contra o feiticeiro. 

1 comentário:

Claudia Sousa Dias disse...

Por vezes, é assim, de facto.