Baseado numa popular história escrita por J. Meade
Falkner, onde o gótico e a aventura se misturam, Moonfleet/O Tesouro do Barba
Ruiva (1955) é um dos filmes americanos de Fritz Lang menos considerados. No
entanto, é ainda o sentimento de culpa, tema maior na obra do cineasta alemão,
o que mais evidentemente atravessa a relação entre o trapaceiro Jeremy Fox e a
criança que foi entregue ao seu cuidado por uma ex-amante caída em desgraça.
Com a acção concentrada numa vila piscatória no sul de Inglaterra, o filme
balanceia uma humanidade separada por classes mas unida no crime.
Contrabandistas rústicos ao serviço de aristocratas corruptos, perseguidos por
um magistrado que ninguém respeita. A adaptação livre operada por
Lang coloca o foco na relação entre o inocente rapaz John Mohune e o ambíguo
Jeremy Fox, que tanto procura ver-se livre do rapaz como se aproveita dele em
benefício próprio, acabando por recuar nos seus intentos para nos servir um
final feliz. Cinema, portanto.
A questão que se me coloca é até que ponto seria
possível tal inversão moral. O cinema está cheio destes exemplos de conversão,
tipos de mau carácter que mudam o sentido das suas acções impelidos pela força
maior da consciência. Seria preciso maior prova de que o cinema não é uma
reprodução da realidade? Fazer-nos acreditar nesta possibilidade é um apelo aos
bons sentimentos, uma promoção artística dos valores verdadeiramente humanos. No
plano real, quotidiano, histórico, a maioria dos exemplos desmente a boa
vontade do artista.
Um canalha raramente deixa de ser um canalha, um cretino
raramente deixa de ser um cretino, uma mente corrupta raramente logra
transcender as fronteiras da corrupção. Não sou propriamente fatalista nem
fundamentalista nestas questões. Acredito que um tipo que faça algo de errado
possa tomar consciência desse erro e procurar melhorar enquanto pessoa,
acredito na boa vontade do ser humano e na sua capacidade de se transcender.
Mas o facto de acreditar não desmente os dados da observação, segundo os quais constatamos
haver muita gente ruim e malformada...
...gente sem qualquer sentido ético da
existência, gente arrivista, gente capaz de fintar a lei convencida de que a lei é
apenas um empecilho no seu direito ao sucesso, gente para quem tudo vale, gente
que não olha a meios para atingir fins, gente gentalha do mais cruel e
insensível que possamos imaginar, gente para quem o outro não é senão coisa ao
seu dispor, gente medíocre, interesseira, presunçosa que nem reconhece o mal
que faz aos outros quando esse mesmo mal a atinge, porque, como dizia o poeta,
é castigo do vício o próprio vício e, como diz o povo, há feitiços que se
voltam contra o feiticeiro.
1 comentário:
Por vezes, é assim, de facto.
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