Pouco importa: mora-se cada vez menos em Paris, se bem que aí se continue a trabalhar muito, e este movimento parece assinalar uma mutação mais geral no nosso país. A relação com a história que assombra as nossas paisagens talvez esteja em vias de se estetizar e, simultaneamente, de se dessocializar e de se artificializar. É certo que comemoraremos com o mesmo entusiasmo Hugo Capeto e a Revolução de 1789; continuamos a ser capazes de entrar em duros confrontos a partir de uma relação diferente com o nosso passado comum e de interpretações contrárias dos acontecimentos que o marcaram. Mas, desde Malraux, as nossas cidades estão a transformar-se em museus (monumentos rebocados, expostos, iluminados, sectores reservados e ruas pedonais), ao mesmo tempo que desvios, auto-estradas, comboios de grande velocidade e vias rápidas nos afastam delas.
Este afastamento, todavia, não se faz sem remorso - como testemunham as numerosas indicações que nos convidam a que não ignoremos os esplendores dos solos natais e os traços da história. Contraste: é à entrada das cidades, no espaço monótono dos grandes conjuntos, das zonas industrializadas e dos supermercados, que vemos instalados os painéis que nos convidam a visitar os monumentos antigos; é ao longo das auto-estradas que se multiplicam as referências às curiosidades locais que deveriam reter-nos enquanto nos limitamos a passar como se a alusão ao tempo e aos lugares antigos, hoje, não fosse senão uma maneira de dizer espaço presente.
Marc Augé, in Não-Lugares - Introdução a uma
antropologia da sobremodernidade, trad. Miguel Serras Pereira, Letra Livre,
2012, pp. 65-66.
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