quinta-feira, 11 de maio de 2017

UM POEMA COM 100 ANOS


A CONFRARIA DOS ESCRITORES

Sem dúvida jamais me habituarei
a instalar-me na esplanada do «Bristol»,
beber chá,
contar histórias verso a verso -
tenho vontade de entornar os copos
e de trepar às mesas.
Escutai,
confraria literária!

Estais aí sentados,
os olhos mergulhados na chávena de chá.
Os vossos cotovelos estão luzidios à força de escrevinhar.
Levantai os olhos dos vossos copos por terminar.
Libertai as vossas orelhas das guedelhas.

Vós
colados ao papel
das paredes,
meus caros,
que fazeis vós com o verbo?
Sabíeis
que quando não escrevia
François Villon
era bandido?

Vós
que sois prudentes
mesmo para agarrar numa faca de cortar papel,
pensar que é a vós que está confiada a beleza do mais magnífico dos séculos!

Escrever ainda?
Hoje
a vida
é cem vezes mais interessante
mesmo a do último ajudante de notário.

Senhores poetas,
não estais já fartos
das páginas,
dos palácios,
do amor,
dos bosques de lilás?
Se chamam
criadores 
a pessoas como vocês -
então quero lá saber da arte em geral.

Prefiro abrir uma loja.
Irei à Bolsa.
Os flancos eriçados com espessas toalhas.
Irei esvaziar a alma
berrando canções de bêbedo
num privado de cabaré.

Será que uma pancada pode ter êxito sob os tufos de cabelo?
Um só pensamento
habita estes pêlos que nunca mais acabam:
«Pentear-se? Para quê?!
Por um momento não vale o esforço,
quanto a estar
eternamente bem penteado
é impossível».

1917

Vladimir Maiakovski (n. 19 de Julho de 1893, Baghdati, Geórgia - m. 14 de Abril de 1930, Moscovo, URSS), in 33 Poesias, tradução e prefácio de Adolfo Luxúria Canibal, Quasi Edições, Abril de 2008, pp. 61-62.

Sem comentários: