sábado, 10 de junho de 2017

DIA DE PORTUGAL, DE CAMÕES E DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS


   O país atravessa um momento aborrecido, deixando os portugueses à nora com tanto optimismo. Mais habituados ao catastrofismo de um Medina Carreira ou de um António Barreto, os fazedores de opinião olham para as próprias mãos sem saberem onde escondê-las. Esta atmosfera insuportável de números positivos, vitórias e festejos consecutivos deixa-nos, como sempre estivemos, em contramão com o resto do mundo. Há um espanto neste autodeslumbramento altamente contraproducente. Somos visitados e gabados e elogiados como há muito não éramos. Hordas de turistas chegam-se-nos à porta pedindo-nos doces, mascarados a rigor como num pão-por-Deus à americana. Sempre disponíveis e hospitaleiros, providenciámos atempadamente terrinas repletas de sweets produzidos noutros países. E damos, e oferecemos. 
   Marcelo, o maior da República, é de tal modo acolhedor e afectuoso que nos faz sentir saudade da carranca de um Cavaco. Esta alegria, este bem-estar, matam-nos, destroem-nos, usurpam-nos a identidade. Até o fado deixou de ser triste, povoado de miúdas giras, soltas, decotadas, tatuadas e estouvadas como qualquer estrela pop. Estas procuram-nos, nem que para efeitos promocionais, citam-nos lá fora, compram casa cá dentro, passeiam-se pela baixa lisboeta incógnitas mas observadas. Quem quer que ande pelas baixas de Lisboa ou Porto sentir-se-á afectado na sua portugalidade, tanto o entusiasmo, o estilo, a ostentação, o glamour que matiza as ruas.
   O que nos sobra então de Portugal? O que nos sobra então de portugueses? Em dia de Camões, o poeta maior da língua portuguesa depois de Fernando Pessoa e ligeiramente antes de Bocage, sobra-nos o acordo ortográfico. Não me refiro ao acordo das academias, negociata ao nível do investimento turístico. Refiro-me ao acordo ortográfico deste bom povo que tão mal trata a sua língua e que nesse mal tratar consegue fazer-nos acreditar que ainda somos portugueses, falsamente letrados, putativamente evoluídos, supostamente inteligentes, alegadamente enobrecidos, retoricamente justos. A minha língua é a minha pátria, a ambas o mesmo trato.
   Livres de tudo menos de nós próprios, e ainda bem, damo-nos por contentes ao continuarmos sujeitos à demagogia e à prepotência de elites oligarquicamente instaladas pretendendo fazer-nos pensar que já não somos o que continuamos a ser. É claro como a água que corre nos rios poluídos da pátria haver neste cenário uma enorme contradição. Há mais gente formada nas universidades, é certo. Mas a falta de civismo observada diariamente nas ruas não diminuiu. Nem a completa ausência de pensamento crítico, a qual continua a fortalecer o discurso politicamente correcto dos arrivistas e dos poderosos. Somos racistas e xenófobos pela calada, negando a nós próprios tamanha evidência. Talvez não o sejamos para com turistas endinheirados, nem para com os angolanos “cheios de pasta”, oferecendo-lhes tratamento que somos incapazes de oferecer, a título de exemplo, às comunidades ciganas e aos portugueses dos chamados bairros sociais (tenham a cor que tiverem). 
   Perdura em nós aquele elitismo saloio da ostentação mesquinha, manifesto em indicadores tão racionais como os da comercialização de telemóveis.  Depois, temos a violência doméstica a dar-nos cabo das estatísticas. E a sinistralidade nas estradas. Apesar de sermos um dos países mais cool e simpático e pacífico e seguro do mundo. As mulheres portuguesas que o digam. Adoramos Camões sem nunca o termos lido, aceitamos numa comunidade de países lusófonos a presença de um país cuja maioria dos habitantes nem sabe dizer bom dia na língua dos Lusíadas
   Enfim, andamos contentes, optimistas, alegres, esperançosos. Temos boas razões para isso. A mais forte das quais constatarmos que, afinal, não somos tão bons quanto nos julgamos quando abrimos os olhos. Endividados, sufocados por juros, pagamos a conta nas facturas das despesas fixas - luz, gás, água -, aceitando sem piar o roubo a que somos sujeitos em impostos sobre impostos mais taxas respectivas. O reino da burrocracia é o nosso. Não são pois pacíficos os portugueses pelo mal que fazem a si próprios, são-no por comerem e calar, por não mexerem uma palha contra quem os rouba, felizes no sorriso deslavado de débeis dentaduras, adorando a quem os emociona por fazer esquecer que somos o que somos. Isto.

5 comentários:

RFF disse...

O pior ministro da economia que a democracia portuguesa produziu - Álvaro Santos Pereira que aqui há dias por causa da EDP até apareceu novamente a cagar postas de pescada e foi por isso que me lembrei dele - é uma excelente analogia para o Portugal de 2017. Quando apareceu foi de forma praticamente unânime considerado pelos pasquins e pasquineiros um craque das economias que iria elevar a economia portuguesa aos mais altos patamares. Tinha curriculum nas melhores universidades do mundo, experiências empresariais relevantes nas américas e na europa. Era um Patriota, voltava por amor à terra para pôr o país a produzir à alemã. Tal como o portugal actual tinha muito mundo, diziam. E tal como o portugal actual também se achava o máximo. Deu-se o caso do pior ministro da economia que a democracia portuguesa produziu não ter a mínima noção do que era o País Real. Tinha muito Mundo, diziam. Achava-se o Máximo. Faltava-lhe Vida...

hmbf disse...

Eu acho que somos os maiores em matéria de pastéis de nata.

maria disse...


a malta a surfar a onda optimista e lá vens tu a lembrar que as ondas morrem mesmo todas na praia... :)

tens toda a razão, excepto no que se refere à carranca do Cavaco.

hmbf disse...

Era humor negro.

Anónimo disse...

Valham-nos os fazedores de opinião, que haja chuva ou haja sol, continuam genuinamente portugueses!