sexta-feira, 30 de junho de 2017

SILVERADO (1985)


  A década de 1980 foi uma quase nulidade para o western. Dois filmes, curiosamente estreados no mesmo ano, justificam o advérbio: Pale Rider, de Clint Eastwood, e Silverado (1985), de Lawrence Kasdan (n. 1949). Argumentista com créditos firmados no domínio da ficção de aventura (Star Wars, Os Salteadores da Arca Perdida…), Kasdan não assinou muitas obras. Mas entre as que levam a sua assinatura encontramos dois westerns rodados com quase uma década a separá-los. Em ambos, Kevin Costner, que viria a estrear-se como realizador com Dances With Wolves (1990), é uma das estrelas da companhia. Encarna um Wyatt Earp problemático no filme homónimo e dá corpo à cómica e irreverente figura do jovem Jake em Silverado.
   Típica figura dos livros de quadradinhos, Jake é o malabarista de circo com coldre duplo, pontaria afinadíssima, atlético e ágil com o cavalo como nenhum outro. De uma sobriedade incomparável, Scott Glenn interpreta Emmett. É o irmão mais velho de Jake, protector a regressar de uma pena injustamente aplicada. Homem de família, fiel aos seus, com um vigoroso sentido de justiça, cruza-se na viagem com as personagens de Kevin Kline e Danny Glover. O primeiro é o fora da lei arrependido, traído tanto pelos antigos companheiros de quadrilha como pela própria consciência. Emmett encontra-o no deserto praticamente desnudado, como se estivesse num retiro espiritual em processo de renovação. Na personagem de Kevin Kline vislumbramos a metamorfose humana que reconhecemos de inúmeros filmes congéneres. Já Mal, encarnação de Danny Glover, é o filho extraviado que regressa a casa. Vem de Chicago, onde andou a trabalhar nos matadouros, e não traz saudades. Regressa com esperança no horizonte, um horizonte rapidamente redesenhado pela força das circunstâncias. É um negro entre racistas.
   Apoiado neste quarteto, Lawrence Kasdan desenhou uma aventura que oscila entre o drama e a pura diversão. Na realidade, acaba por homenagear o western fazendo-o reviver quando ele se encontrava moribundo. E fá-lo pelas principais características de um género que, bem vistas as coisas, desde cedo se afirmou enquanto formato onde o trágico e o dramático conhecem a sua dimensão de entretenimento. Com um elenco luxuoso, ele oferece-nos ainda o xerife corrupto na personagem de Brian Dennehy, o jogador desleal na personagem de Jeff Goldblum, o ávido criador de gado, senhor das terras de Silverado, na personagem de Ray Baker, a colona de fortes convicções e idealista na personagem de Rosanna Arquette, o chefe de gangue na personagem de James Gammon, o xerife cobarde e oportunista na personagem de John Cleese…

   Nas histórias que se cruzam a caminho de Silverado desfila todo um conjunto de personagens tipo fixadas pelos filmes que, ao longo de décadas, retrataram o Velho Oeste, sendo esta a homenagem de que o western necessitava para renascer das cinzas nos idos de 1980. É muito provável que vários jovens da minha geração tenham entrado por esta porta no mais clássico dos géneros cinematográficos, vindo posteriormente a descobrir as raízes que permitiram florescer Paden, Emmett, Jake e Mal. Depois de Silverado, o interesse pelo western fez-nos redescobrir um potencial algo caído no esquecimento. Filmes como o supracitado Dances With Wolves (1990) — 7 óscares, entre os quais o de melhor filme — e Unforgiven (1992) — 4 óscares, entre os quais o de melhor filme —, acabaram por reconfirmar o que já sabíamos desde os tempos de John Ford: estamos perante um dos géneros maiores da sétima arte. Não é pura acção, não é acção pela acção, é acção no interior da qual o romantismo e a crueldade se encontram, a justiça e o livre arbítrio se conhecem, a consciência moral e a emoção se unem, o idealismo e o pragmatismo se justificam um ao outro, a tragédia e a comédia deixam de ter fronteiras a separá-las. É cinema.

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