quinta-feira, 13 de julho de 2017

[QUANTOS NAVIOS]


62

Quantos navios
vejo eu passar
estendido nos bancos dos jardins

É feriado

Jogam as crianças correndo
atrás das
sombras
de pássaros

O sol
bate na água
nas folhas
e nos meus olhos

seduzidos

E eu adormeço
deixando
que os navios
passem
lentos

sobre mim


António Reis (n. 1927 - m. 1991), in Poemas Quotidianos (1967). «Em António Reis, toda a poesia emerge do silêncio – processo difícil, lento, convulsivo. Porque se trata dum silêncio tenebroso, feito de cegueira e rouquidão, feito de dias alucinadamente repetidos, feito de esgares apenas – esse silêncio de pedra que é o quotidiano de muitos» (Eduardo Prado Coelho, in Estudo-prefácio). «A poesia de António Reis, nascido, residindo e trabalhando na área do Grande Porto, é, como a de grande parte dos seus contemporâneos, uma poesia urbana. A sua relação com a cidade é, no entanto, uma relação ambivalente. Ama-a, não pela  sua dimensão, mas pelo seu carácter, pela sua naturalidade e ausência de qualquer nimbo de mistério, embora não deixem de o desgostar as «imperfeições e mágoas» que nela sofre. Gosta de lhe percorrer as ruas, perto dos outros. Prefere andar a voar, contradizendo assim a imagem do poeta nefelibata que paira acima da realidade imediata e comezinha» (Fernando J.B. Martinho, in Prefácio a Poemas Quotidianos).