sexta-feira, 3 de novembro de 2017

MINHOCAS

Imaginemos que um indivíduo aceita participar numa experiência sobre alteração de hábitos alimentares para combater a fome no mundo. Chegado ao laboratório, é-lhe pedido que engula uma minhoca viva, e é-lhe ainda recordado explicitamente que, se o achar repugnante, pode sempre, claro, recusar, pois tem plena liberdade de escolha. Na maior parte dos casos, vai aceitar fazê-lo, e depois racionalizar essa escolha dizendo a si mesmo algo como: «Aquilo que me pedem que faça é realmente nojento, mas não sou nenhum cobarde, devo mostrar coragem e autocontrolo; caso contrário, estes cientistas vão achar que sou uma pessoa fraca, que desiste ao mais pequeno obstáculo! Seja como for, as minhocas têm muitas proteínas, por isso podiam realmente ser usadas como fonte de alimento para os mais pobres - quem sou eu para impedir uma experiência tão importante só por causa da minha sensibilidade mesquinha? E, se calhar, o nojo que tenho de minhocas é só um preconceito, talvez as minhocas não sejam assim tão más; não seria uma experiência nova e ousada provar uma? E se isso me permitir descobrir uma dimensão inesperada e desconhecida, ainda que algo perversa, de mim mesmo?»


Slavoj Žižek, in Lenine 2017, trad. Joana Neves, Elsinore, Setembro de 2017, pp. 49-50. 

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