terça-feira, 14 de novembro de 2017

VIVA O CAPITALISMO

   A família de Mollie estava a atravessar uma ponte entre, não apenas dois séculos, mas também duas civilizações. A aflitiva situação da família piorou ainda mais em fins dos anos 1890, quando o governo americano intensificou a sua investida rumo ao auge da campanha de assimilação: a distribuição de lotes. De acordo com esta política, a reserva osage seria dividida em parcelas de sessenta e quatro hectares, em propriedade imobiliária; cada membro da tribo receberia um lote, e o resto do território seria aberto aos colonos. O sistema de lotes, que já fora imposto a muitas tribos, foi concebido para acabar com o antigo modo de vida comunitário e transformar os índios americanos em proprietários de terra - uma situação que, não por acaso, tornaria mais fácil a compra das suas terras.
   Os Osage tinham visto o que acontecera à Cherokee Outlet, uma vasta pradaria perto da fronteira ocidental da reserva osage. Depois de o Governo ter comprado a terra aos Cherokee e esvaziado de gente a região anunciou que, ao meio-dia de 16 de setembro de 1893, um colono poderia reivindicar uma das quarenta e duas mil parcelas de terra - desde que ele ou ela chegasse lá primeiro! Durante dias antes dessa data, dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças tinham vindo de locais tão longínquos como a Califórnia ou Nova Iorque, aglomerando-se ao longo da fronteira; a massa andrajosa, imunda, desesperada, de seres humanos, estendia-se até se perder de vista, como um exército pronto a lutar contra si mesmo.
   Finalmente, depois de as autoridades terem abatido vários «apressados» que tentaram passar a fronteira antes do tempo, soou o tiro de partida - UMA CORRIDA PELA TERRA COMO NUNCA FOI VISTA NO MUNDO INTEIRO, como intitulava um jornal. Um repórter escreveu: «Homens desatavam ao murro até que os mais fracos ficavam por terra. Mulheres gritavam e caíam desmaiadas, correndo o risco de morrerem sob os pés da multidão.» E acrescentava: «Homens, mulheres e crianças jaziam por terra ao longo de toda a pradaria. Aqui e ali, homens lutavam até à morte, reclamando cada um que tinha chegado primeiro a determinado sítio. Navalhas e espingardas eram empunhadas - uma cena terrível e impressionante; não há nenhuma pena capaz de a descrever. (...) Era uma luta em que, de uma maneira muito clara, o que estava em causa era o salve-se quem puder e que valha a lei do mais forte.» Ao cair da noite, a pradaria cherokee estava já reatalhada em pedaços.

David Grann, in Assassinos da Lua das Flores - A Matança dos Índios Osage e o Nascimento do FBI, trad. José Vieira de Lima, Quetzal Editores, Julho de 2017, pp. 69-72. 

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