— Você não acha que poderia ajudar a nossa esforçada amizade se me tratasse por John, em vez de senhor Stenham?
— Poderia — admitiu ela. — Vou tentar lembrar-me. Também vou tentar lembrar-me de que você é um romântico incorrigível, sem uma réstia de confiança na raça humana. — Ela estava olhando para ele fixamente, e ele ressentiu-se da profunda sensação de intranquilidade que a expressão dela conseguia despertar em si.
— Você é uma rapariga esperta — disse ele com ironia.
— Você faz-me lembrar muito um amigo meu — prosseguiu ela, olhando-o ainda. — Um rapaz bastante simpático, mas todo amarrado pelas suas próprias teorias acerca da vida. Você até se parece um pouco com ele, juro! Ele também escrevia muito boa poesia. Pelo menos parecia razoável até uma pessoa lhe dedicar algum tempo e de repente perguntar a si mesma o que significava ela.
— Eu não sou um poeta. — A voz dele foi azeda, mas sorriu-lhe.
Ela continuou, inacessível.
— E eu aposto que as suas histórias de vida têm muito em comum. Alguma vez aderiu ao Partido Comunista? Ele fê-lo; costumava vestir uma roupa especial e ir postar-se às esquinas a vender o Daily Worker. Mais tarde dedicou-se ao ioga, e na última vez que eu soube dele tinha-se tornado católico romano. Isso não o impediu, porém, de passar a ser um alcoólico.
Paul Bowles, in A Casa da Aranha, trad. Jorge Pereirinha Pires, Quetzal Editores, Julho de 2014, pp. 303-304.
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