domingo, 18 de março de 2018

UM POEMA DE WILLIAM CARLOS WILLIAMS


ESTAS

são as semanas desoladas, sombrias
em que na sua aridez a natureza
rivaliza com a estupidez humana.

O ano despenha-se na noite
e o coração é um abismo
mais fundo que a noite

nesse vazio varrido pelo vento
sem sol, sem lua nem estrelas
apenas uma estranha luz do pensamento

que lança um tenebroso fogo —
rodando sobre si mesma até
no frio incendiar-se

e revelar ao homem algo que ele
desconhece, não a solidão
em si — não um espectro

ainda que o pudesse abraçar — vazio,
desespero — (gemendo
soluçando) entre

as chamas e os estrondos da guerra;
casas em cujos aposentos
o frio ultrapassa o imaginável,

aqueles que se foram e que amávamos
vazias as camas, húmidos os
sofás, as cadeiras sem uso —

Oculta-o algures
longe do pensamento, deixa-o criar
raízes e crescer, salvo de olhos e ouvidos

ciosos — por si somente.
A esta mina chegam para escavar — todos.
Será isto o contraponto da música mais

suave? A fonte da poesia que
ao ver o relógio parado, diz:
Parou o relógio

que ontem trabalhava tão bem?
e ouve o som das águas do lago
salpicando — agora petrificadas.


William Carlos Williams (n. 17 de Setembro de 1883, Rutheford, New Jersey, USA - m. 4 de Março de 1963, Rutheford), in Antologia Breve, trad. José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, Abril de 1995, pp. 67-69.

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