segunda-feira, 7 de maio de 2018

«o tempo e as suas incompreensões e distracções colaboram com o poeta morto»

Não sei de um exemplo melhor que o alto verso de Cervantes:


¡Vive Dios, que me espanta esta grandeza!


Quando o redigiram, «vive Dios» era uma interjeição tão vulgar como «caramba», e «espantar» queria dizer «assombrar». Suspeito que os seus contemporâneos o sentiriam assim:

Vejam só o que me assombra este aparelho

ou coisa parecida. Nós vemo-lo firme e vistoso. O tempo — amigo de Cervantes — soube corrigir-lhe as provas.

Jorge Luis Borges, de Textos Cativos (1986), in Obras Completas, 1975-1988, Vol. IV, trad. Cristina Rodriguez e Artur Guerra, Círculo de Leitores, Janeiro de 1999, pp. 376-377.

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