AGORA QUE NADA MAIS IMPORTA,
consolamos as tardes de Domingo
com as bifanas das tasquinhas montadas antes do jogo,
alguns boatos frescos, discussões sobre Sartre,
o pós-estruturalismo e essa piada
que qualquer marxista parolo
parece esperto ao pé de um anarquista.
O único interesse que ainda temos realmente em comum
é dividir o aluguer
e uma garrafa de tinto.
Às vezes, ainda recebemos algum convite,
e olha, não é fácil, com o miúdo e tal.
Mas acabamos por ficar em casa.
O desinteresse acumula-se à minha volta
como as camadas seculares
no tronco de um sequóia.
Fico imune a queixinhas.
Lavo sozinho a minha roupa.
A minha língua está a ganhar uma espessura lenhosa.
No lugar do grito,
uma greta.
Mãos nos bolsos,
bico calado.
Evito vitrinas e espelhos.
Tenho medo que a verdade
me possa desfigurar o rosto.
Golgona Anghel (n. 1979, Iliria Oriental, Roménia), in Como uma flor de plástico na montra de um talho, Assírio & Alvim, Maio de 2013, pp. 53-54.
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