quinta-feira, 16 de agosto de 2018

AMORES DE VERÃO #3


O PROBLEMA DA POESIA

O problema da poesia, percebi eu
ao passear na praia uma noite —
com a areia fria da Flórida sob os meus pés nus
e uma galáxia de estrelas no céu —

o problema da poesia é que
ela estimula a escrita de ainda mais poesia,
mais peixinhos a encher o tanque,
mais coelhinhos saltitando
da barriga das mães para a erva molhada de orvalho.

E como terá alguma vez fim?,
a não ser que acabe por chegar o dia
em que já comparámos todas as coisas que existem
com todas as outras coisas que existem,

e não haja mais nada a fazer
a não ser fechar silenciosamente os nossos cadernos
e sentarmo-nos com as mãos postas em cima das secretárias.

A poesia enche-me de alegria
e eu levito como uma pena ao vento.
A poesia enche-me de tristeza
e eu sinto-me a afundar como um colar lançado de uma ponte.

Mas, acima de tudo, a poesia enche-me
da necessidade de escrever poesia,
de me sentar no escuro a esperar que uma pequena chama
me apareça na ponta do lápis.

E, ao mesmo tempo, do desejo de roubar,
de irromper pelos poemas dos outros
com uma lanterna e uma máscara de esqui.

E que triste bando de gatunos nós somos,
carteiristas, larápios vulgares,
pensei para mim próprio
à medida que uma onda fria dançava à volta dos meus pés
e o farol varria o oceano com o seu megafone —
que é uma imagem roubada por mim directamente
a Lawrence Ferlinghetti —
para ser completamente honesto por um instante —

o poeta de S. Francisco que andava de bicicleta
e cujo livro, em forma de parque de diversões,
eu levava num bolso do meu uniforme para todo o lado
pelos traiçoeiros corredores do liceu.


Billy Collins (n. Manhattan, Nova Iorque, EUA, 22 de Março de 1941), in Amor Universal, trad. Ricardo Marques, Averno, Outubro de 2014, pp. 97-98.

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