do monte agudo ao da graça
espera-te uma lisboa emudecida
das asas guardas o desejo
és um anjo caído demasiadas vezes
sentas-te no banco onde já tantos
souberam nada aguardar da vida
quando cá chegares do telhado
desta bebedeira ofereço-te o funâmbulo
gato passeando-se ao de lá da vista
um outro cais e a onda nele aportando
o coração a ser partido quando o amor
parte do coração a quem se ofertou
não leves o tempo até à tua morte
a morte pode levar-te antes do tempo
Fernando Machado Silva (n. 1979), in O Coração Estendido Pela Cidade (Gato Bravo, 2017). Estreado em 2012, mantém desde o início em todos os seus
livros uma relação forte com o conceito de viagem. A sua poesia, podemos
dizê-lo, apropria-se da transitoriedade que define deslocações nos espaços
geográfico e íntimo, fixando-a num “mapa afectivo” onde se elencam cidades, lugares, suas características e particularidades. A memória é ainda aqui a de
haver passado por um lugar e dele ter guardado uma experiência, geralmente
associada a disposições sentimentais que trazem na origem relações amorosas. Há
uma dimensão ensaística nestes poemas que não pode ser negligenciada, até pelo percurso académico de um autor que junta no currículo estudos de teatro, literatura,
poesia, filosofia. O movimento de quem se desloca no espaço marca o ritmo dos
poemas, ora mais curtos, ora mais longos, sempre expurgados de pontuação, desafiando convenções sintácticas e oferecendo às palavras combinações ricas
nas suas dimensões plástica e rítmica.
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