Ocupei o dia com pequenas tarefas
Para silenciar um pedido uma súplica
Pintei o velho alpendre consertei a cancela do jardim
Libertei o cão para que perseguisse os pássaros pelo
bosque
Recusou-se a partir
Persiste onde não existe caminho
Ao meu lado
Esperando que um vento frio
Dispa de folhas todos os ramos.
In Pétalas Negras Ardem Nos Teus Olhos, Assírio &
Alvim, Março de 2007, p. 9.
O táxi à espera
acendendo e desligando os faróis
depois das sebes de azevinho
o cão impondo-se num latido
impregnado de queixumes
a mala aberta, o nó da gravata
ainda por fazer
optas pela simetria perfeita
pelo equilíbrio elegante do hanôver
selando
numa indiferença discreta
a tua queda no esquecimento
In Bruma Luminosíssima, Artefacto, Maio de 2016, p. 23.
Luís Falcão (n. 1975 – m. 2015). Com uma estreia auspiciosa
em 2007, acabaria por publicar apenas dois conjuntos de poemas. O
desaparecimento precoce levou a que o segundo volume fosse já edição póstuma.
Poemas curtos, marcados por uma linguagem depuradíssima onde sobressaem certo
questionamento existencial e interpelações do sagrado. Os versos abrem janelas
para panorâmicas onde as ideias de extinção, abandono, perda, destroço, falha,
despedida, ausência, restos, apodrecimento, colocam em diálogo o
«corpo arruinado» com um princípio de sagrado a desfazer-se. A antítese no
título Bruma Luminosíssima é reveladora dos contrastes nesta poesia onde a
consciência de finitude (passagem do tempo, morte) impele a uma ideia de infinito/eternidade
(«essência sagrada das coisas»). Elementos naturais, mormente a neve, surgem
como signos decifráveis de um devir na direcção do silêncio e da obscuridade, mas
de onde advêm instantes de clareza e de iluminação.
Sem comentários:
Enviar um comentário