Filho de dinamarqueses, Douglas Sirk (Hans Detlef Sierck)
nasceu na Alemanha no dia 26 de Abril de 1897. O interesse pelo teatro e pelo
cinema surgiu antes de ter sido estudante de Direito, Filosofia e História da
Arte. Por mero acaso, acabou como encenador de uma peça que obteve relativo
sucesso. Em 1925 foi pai pela primeira vez. Curiosamente, Klaus Detlef Sierck tornou-se
ainda criança num dos principais actores da propaganda Nazi. Divorciado da
primeira mulher, casado agora com uma judia, Sirk foi impedido de ver o filho
que acabaria por morrer durante a II Grande Guerra num conflito travado em
terras ucranianas.
Hans Detlef Sierck realizou vários filmes na Alemanha,
antes de se ter mudado para os EUA reiniciando a carreira de realizador como Douglas
Sirk. Logo em 1942, atraiu atenções com o declaradamente antinazi Hitler’s
Madman. John Carradine, que entrou no mítico Stagecoach/Cavalgada Heróica (1939),
de John Ford, era um dos actores do elenco. Melodramas, thrillers, comédias,
são o que mais se encontra num curriculum onde sobressai “um western memorável”.
Taza, Son of Cochise/Herança de Honra (1954) tem a particularidade de oferecer
aos indígenas todo o protagonismo. Não sendo fiel à História, apoia-se em
personagens reais.
Rock Hudson representa o papel de Taza, filho mais velho
de Cochise. Figura tutelar entre os Apache da tribo Chiricahua, Cochise chefiou
a sua tribo em várias guerras até assinar um tratado de paz com a cavalaria norte-americana.
Rivaliza com Geronimo, que nunca quis assinar tratados de paz e combateu os
brancos até lhe restarem forças. Broken Arrow/A Flecha Quebrada (1950), de
Delmer Daves, recria a rendição de Cochise. O filme de Sirk vai beber tanto da
sua inspiração a esse filme — aliás, Jeff Chandler é o actor que
faz de Cochise nos dois filmes — como a Fort Apache (1948), de Ford.
São filmes onde os índios aparecem num raro enquadramento, expurgado de
leituras diabolizadoras ou, o que por vezes ainda é pior, altamente
paternalistas.
Taza, Son of Cochise/Herança de Honra (1954) começa com a
cerimónia fúnebre de Cochise, que então passa a liderança da tribo ao filho
mais velho. Taza tem um irmão, Naiche, a quem o pai pede no leito da morte que
defenda o irmão na prossecução da paz com os homens brancos. Mas Naiche prefere
juntar-se a Geronimo, dando continuidade a uma luta armada à revelia do novo
líder Apache. Entre os irmãos desavindos há ainda uma mulher, Oona, filha de
Águia Cinzenta, que Taza pretende para sua mulher. Este duplo conflito apenas
apimenta a história, não é especialmente interessante e desvia-se de uma linha
narrativa que podia concentrar-se nos factos mas prefere dar asas à imaginação.
É verdade que Cochise morreu de causas naturais, mas a
ideia de que foi um pacificador não é verdadeira. Ele manteve acesos focos de
resistência até se ter rendido ao General George Crook, apoiado na perseguição
do líder por Apaches batedores. O aspecto mais discutível deste filme é a imagem
que faz passar de Geronimo, rebelde oportunista e traiçoeiro. Cochise morreu em
1874, tendo a tribo sido posteriormente deslocada para uma reserva em San
Carlos. Taza morreu apenas dois anos depois, de pneumonia, na sequência de uma
viagem a Washington D.C. O irmão Naiche, que surge assassinado no filme na
sequência de um conflito entre brancos e índios, viveu com os Mescalero até ao
final dos seus dias. Discutiu com Geronimo a rendição em Março de 1886.
O filme de Douglas Sirk é, pois, uma ficção construída a
partir de interpretações livres dos factos históricos. As desavenças tribais
podem aqui ser lidas à luz de acontecimentos históricos externos, mostrando
como a divisão entre os mais fracos é tantas vezes a sua maior fraqueza.
Enquanto estiveram unidos, os Apache foram conseguindo pequenas vitórias que permitiram
negociar e reivindicar com proveito. A divisão levou à rendição, e desta à
morte lenta em reservas foi um passo curto. O que este filme tem de memorável é
a tentativa levada a cabo de humanizar os índios na tela do cinema, resgatando-os
de um limbo onde ou tinham sido retratados como selvagens ou simplesmente caricaturados
como pobres imbecis. Sirk oferece-lhes um rosto humano, com seus tradicionais conflitos
familiares, com suas divisões, com atitudes perante a lei mais rigorosas do que
por vezes se pretende supor.
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