domingo, 2 de dezembro de 2018

UM POEMA DE CLÁUDIA R. SAMPAIO

Epitáfio de Domingo

Se eu desaparecer hoje
E falo mesmo do meu corpo aqui tão sentado
a escrever desde a ponta da língua
à légua mais distante da minha vida,
diz que compreendi.

Diz que sei que nada está onde é certo estar
Que o amor súbito é a escada para o entendimento
Diz que fui ar azul sobre campos de secura
estrada recta ao infinito,
um acidente ao longe
Que provei toda a sede quando engoli os homens
Que queimei alegremente no ácido das palavras
Que tombei em ricochete para que me vissem
e que, quando me viram, me ergui animal

Diz que me viste nua, sempre
Que corri por hospícios de olhos fechados
e a boca às avessas
Que vivi mais ao alto do que em mundo plano
e fui honesta na minha rente loucura

Diz que nunca esqueci a subida a um plátano
Que ninguém viveu no meu lugar, nem eu, no de ninguém
Que fui o halo frio que preenchi com esta pena
Pela minha ausência
E que tudo o que disse foi com silêncio

Diz que sei, sobretudo, que ardemos juntos como ventosas,
Que o teu corpo me serviu de andar às pernas asmáticas
Que te agradeço ter-te oferecido lírios
Que me reduziste o nojo da espécie
Diz que eu fui eu

Guarda-me este segredo que tenho largo por baixo dos cabelos:
- quanto em mim fui que não vivi
quanto em ti é que fui eu?

Mas não te preocupes, não desapareço hoje
Quando me conheceste já eu não existia
e tu sabes
que essas saudades que vais tendo
são as minhas.


Cláudia R. Sampaio, in Outro nome para a solidão, Douda Correria, Novembro de 2018, s/p.

2 comentários:

Anónimo disse...

Que belo poema!
DRB.

Anónimo disse...

A poetisa já foi tão bonita. O crítico é tão filosófico. A poesia é tão banal. Anda tudo doido.