Ingrata é a História ou o historiador, minhas filhas, que
à extrema popularidade em vida tem a consagrar na morte pouco mais que lacónica
nota de rodapé. Assim sucede a Albino Forjaz de Sampaio, que na História da
Literatura Portuguesa (A. J. Saraiva & Óscar Lopes) surge apenas no
capítulo V nos termos que a seguir reproduzo: «Albino Forjaz de Sampaio (1884-1949),
cuja notoriedade foi granjeada por umas Palavras Cínicas, 1905, sem
originalidade, com 63.ª edição em 1978, a que depois opôs uma obra de erudição
e exaltação do patriotismo nacional». Esqueçam a segunda parte, fiquem-se pela primeira. Cá por casa sobrevive a 9.ª edição (26.º milhar), ratada e
suficientemente maltratada para que vos mereça toda a atenção. E topai como
naquele tempo eram aos milhares as edições. Se pretendeis saber um pouco mais acerca deste
best-seller português da primeira metade do século XX, podereis dar com ele na
História de Portugal dirigida por José Mattoso. Não merecendo na da Literatura mais do que rodapé, na de Portugal tem atenções redobradas ao tomo VI:
Um dos mais espertos literatos desta época, Albino Forjaz
de Sampaio, depurou a crítica naturalista de alguns restos de moralismo, e em
1905, aos 20 anos, depois de alguns versos à Nobre, publicou Palavras cínicas,
um dos grandes sucessos literários do século XX em Portugal. Protegido de
Fialho de Almeida, Sampaio adoptou a maneira desabrida do mestre e atacou os
«bons sentimentos», o amor e a amizade, etc., sob o lema «Se não esmagares,
serás esmagado». Nos anos seguintes prosseguiu, sempre com êxito, a sua
exploração das «sensações fortes», em Crónicas imorais (1908), Lisboa trágica
(1910), Prosa vil (1911), reportagens sobre a degradação da vida moderna em
Lisboa (como jornalista de A Luta, de Brito Camacho).
À época, A Luta era A Lucta, tal como hoje acto é ato e
afecto é afeto. Foi um órgão vinculado ao Partido Unionista (de direita
democrática), denegrido como sendo coisa de intelectuais. Por ser de direita, podia ser desaconselhável. Por ser de intelectuais, evitável a todo o custo. Ficai sabendo, minhas
filhas, que neste nosso querido país ser alguém chamado de intelectual é grave
insulto, mais que ser-se estúpido ou filho da puta (neste caso pode até ser
sinal de esperteza, a virtude predilecta dos portugueses). Mas o êxito impõe respeito, mesmo não garantindo admiração. A par de Júlio
Dantas, foi Forjaz de Sampaio um dos autores portugueses que mais vendeu
naqueles tempos. Do pessimismo inicial ao optimismo de Porque me orgulho de ser
português —
6000 exemplares em poucos meses, com fortes elogios do PR Bernardino Machado,
de Gago Coutinho, do próprio Dantas, de Sebastião Magalhães Lima (grão-mestre
da maçonaria) e de Fernando de Sousa (importante jornalista) —,
merece a pena ter em conta as subtilezas do tacticista:
A sua mensagem era simples: «Céu, mar, terra, mulheres,
canções —
não há no mundo como o nosso Portugal.» E, alegremente, tratou de pilhar os
conhecimentos acumulados pelos «nacionalistas» para provar como o céu de
Portugal é mais azul, a mulher portuguesa a mais «feminina da Europa», etc..
Optimismo cínico, mero oportunismo, ou jogo de
conveniências, o que importa salientar é o jogo de anca deste notável histrião
das letras portuguesas. O leitor comia por vibrar com o escândalo, Forjaz de
Sampaio servia-o requentado e com temperos inigualáveis. Acabou a chamar «poeta
dos snobs» a António Nobre (homem rico, mandrião, egoísta, vadio, desenraizado,
preocupado com a sua dor, indiferente à dos outros, foram outros epítetos que atribuiu ao autor de Só), dedicando ao louco Ângelo
de Lima palavras de ternura. Nas Palavras Cínicas podeis encontrar muito do seu
pensamento, quase sempre revirado pela ironia, contaminado por uma vontade de
denunciar em breves cartas muitos e longos vícios. Ficai com um aforismo de exemplo, colhido
logo na primeira para dar o tom do que se segue:
De trinta mendigos a quem dei esmola hão-de nascer
noventa patifes para me apedrejar.
Se discutíveis são os méritos do escritor, na
aritmética não podemos dizer que tenha falhado.
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